PEDAGOGIA DA LIBERDADE A liberdade em Paulo Freire e Hannah Arendt: uma investigação preliminar refletindo sobre a Educação.
PRIMEIRAS PALAVRAS
Nesse ensaio teórico especulativo vou abordar os pensamentos de Paulo Freire e Hannah Arendt como meios para se refletir sobre a Educação, relacionando-os a partir da noção de liberdade. Em coerência com os trabalhos realizados em aula na disciplina de Filosofia da Educação neste curso de Educação e Contemporaneidade do IFSul Charqueadas, a ênfase deste ensaio, em sua reflexão final sobre o tema, vai se dar a partir do pensamento de Freire. O percurso utilizado para a construção do texto foi o mesmo trabalhado e indicado durante a disciplina: autores, conceitos, livros, textos e filmes, com exceção de parte do material sobre Hannah Arendt, incluindo aí o filme O Leitor, que acrescentei como opção “dialógica de educando”. O artigo de Marcos Rolim, o filme Hannah Arendt e o foco em determinados conceitos da autora são indicações da aula ministrada pelo professor Rafael Padilha para a disciplina em 27 de agosto deste ano. O título desse ensaio, Pedagogia da Liberdade, não é uma pretensão, mas sim uma homenagem à obra de Freire utilizada neste trabalho e a dimensão que essa tem para a luta coletiva por uma educação verdadeiramente dialógica.
Intersecções biográficas e reflexivas
Paulo Freire (1921-1997) e Hannah Arendt (1906-1975), além de partilharem 54 anos de vida no mesmo período histórico (1921-1975), acabaram por ter outras intersecções biográficas e reflexivas. O menino de condição social remediada (FREIRE, 1985, p.05), que cedo ficou órfão do pai militar, sentiu na pele as agruras de um “oprimido” pernambucano; a judia–alemã de uma família social-democrata de classe média (MOISÉS, 2013), igualmente órfã do pai engenheiro ainda pequena, na juventude viveu a perseguição política ideológica e racial do regime nazista e terminou por se asilar nos estados Unidos. Freire, por sua vez, foi exilado de sua pátria pelo Golpe Militar de 1964 e, assim como Arendt, produziu no exílio parte importante de sua bibliografia, como o livro Pedagogia do Oprimido, de 1968. Ambos trabalharam na Educação: Arendt, graduada em Filosofia, como professora universitária; Freire, graduado em Direito, como educador popular. Foram escritores que pensaram e problematizaram a realidade de seu tempo, Freire na Pedagogia e Arendt na Filosofia e (preferência intelectual sua) Ciência Política, onde abordaram, por olhares distintos, a questão da liberdade e da política, sendo que Arendt teve também atuação como jornalista. Freire era um homem de esquerda, democrático e socialista, que refletia a transformação da sociedade como um passo importante para a “libertação dos oprimidos”, ao passo que Hannah centrou sua visão de liberdade na crítica aos totalitarismos fascistas e socialistas e tem seu pensamento muito apreciado nos círculos liberais contemporâneos. Enquanto o brasileiro defendia a liberdade política via uma escola transformadora e “dialógica” a construir a “autonomia” do educando-oprimido, a alemã via na própria ação ativa numa política com pluralismo a liberdade. O pensamento cristão foi um ponto em comum na formação destes: Santo Agostinho. A tese de formação universitária de Arendt foi “O Conceito de Amor em Santo Agostinho”, orientada por Karl Jaspers (1883-1969), de quem o pedagogo pernambucano tomou o conceito de “situação-limite”, reformulado por Álvaro Vieira Pinto (FREIRE, 2011b, p.125). De Agostinho, Freire leu, dentre outros, especialmente “A Cidade de Deus” (FREIRE, 1985, p.13).
O pensamento acossado na Universidade
No filme Hannah Arendt (2013), a diretora Margarethe Von Trota mostra a pensadora durante o período em que ela escreveu seu livro “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal”, no início dos anos 1960, após ter acompanhado o julgamento do criminoso de guerra nazista, em Israel, como correspondente da revista americana The New Yorker. No âmbito acadêmico, após a polêmica gerada com a publicação dos artigos pela revista, Arendt foi fortemente pressionada. Colegas professores e diretores da universidade onde lecionava solicitaram o seu afastamento. A sua posição intelectual independente, contrariando a noção hegemônica sobre o caso, analisando Eichmann não como um monstro, mas sim como um mero burocrata desprovido da capacidade de pensar, uma mera peça operante da “banalidade do mal”, levou ao sectarismo ideológico os que deveriam zelar pela liberdade do saber. Os seus jovens alunos, o filme o revela, foram os que freirianamente “dialogaram” com a sua reflexão. Os “educandos” não se encontravam “imersos” na situação objetiva que os demais educadores se encontravam. Logo, conseguiam um “diálogo” com a reflexão de Arendt, pois estavam “emersos” da objetividade e capazes de realizar uma “inserção crítica” enquanto “sujeitos cognoscentes”. Em seu artigo para o jornal Zero Hora, Lúcia e Robson Pereira (2013) observam esse aspecto e chamam a atenção para o mesmo: Curiosamente, e interessante para pensar os dias atuais, Hannah foi escutada pelos jovens. Talvez aquela geração que não tinha sofrido diretamente os horrores da guerra podia suportar a revelação de uma verdade que para muitos deveria ficar na sombra, recalcada. Os alunos a ouviram, pois possuíam um distanciamento da “situação-limite” que foi a IIª Guerra para toda geração que os antecedeu, tal fato não pressionava a “condição humana” destes. “Pensavam apaixonadamente”, à Heidegger (MOISÉS, 2013), um “pensar político potente”: tinham, pois, a plena “liberdade do pensar” (RUBIANO, 2011, p.113).
A outra Hanna (o “Eichmann-de-saia”) e o leitor
Seguindo na linha do pensamento de Hannah Arendt, mais precisamente sobre a “responsabilidade dos sujeitos” ao realizarem o “mal radical” a partir da “banalidade domal” gerado pelo “não-pensar”, temos um caso emblemático retratado no filme “O Leitor” (2009). Uma alemã de 36 anos, Hanna Schmitz, em 1958, trabalha como fiscal de passagens nos bondes na cidade de Neustadt, na Alemanha Ocidental, e conhece um jovem estudante de 15 anos, Michael Berg, com quem passa a ter um caso amoroso. Durante seus encontros, uma característica marcante é que Hanna sempre pede para o rapaz trazer da escola um livro para ler para ela. Um dia, ao ser promovida na empresa a fim de ir trabalhar nos escritórios, ela vai embora, subitamente, sem dar explicações ou se despedir. Em 1966 Michael está cursando advocacia na Faculdade de Direito de Heidelberg que, possivelmente não por acaso, fica na mesma universidade onde Karl Jaspers lecionou e onde Hannah Arendt fez, sob sua orientação, a tese sobre Santo Agostinho. Durante um seminário especial, onde um dos livros estudados é A Questão da Culpa Germânica, de Karl Jaspers (outro “acaso”), o professor Rohl leva a turma para assistir o julgamento de seis mulheres que trabalharam como guardas nos campos de concentração de Auschiwitz e Cracóvia durante a IIª Guerra, em 1944. Lá, para sua surpresa, uma das rés é Hanna. Elas são acusadas de terem deixado prisioneiras judias morrerem queimadas numa igreja onde as alojaram durante um deslocamento, ao não abrirem suas portas durante um bombardeio que a incendiou. Em defesa, alegam que eram apenas funcionárias do governo alemão e que cumpriam ordens. As demais acusadas incriminam Hanna, dizendo que ela era a responsável e que isso constava no relatório sobre o incidente que ela teria escrito à época, como encarregada. Hanna refuta as duas acusações, mas, ao juiz solicitar que ela escreva num papel para que fosse comparada sua letra com a do documento, assume a responsabilidade e termina condenada à prisão perpétua. O rapaz se dá conta, nesse momento, que sua ex-amante é analfabeta e que, por vergonha, sempre escondera o fato. Fala isso ao professor, que diz que ele tem obrigação moral de revelar a situação ao tribunal, mesmo contra a vontade dela. Mas Michael prefere manter o silêncio, mesmo dividido entre a lealdade emocional à Hanna e racional-moral ao Direito. Hanna e suas colegas são um exemplo clássico do conceito de “banalidade do mal” de Hannah Arendt. Mais: a “Hanna-que-não-pensava” é justamente isso, uma personagem síntese do “não-pensar”, do “auto-esquecimento” jaspersiano em permanente “situação-limite”, anestesiada ante a possibilidade de suas ações concretizarem ou colaborarem para a concretização do “mal radical”. Todavia, uma pessoa “terrivelmente normal”, que ama, que sofre. Um “Eichmann-de-saia”. Michael é um personagem pensante, escolarizado. Seu dilema, sua “situação-limite” é o que Arendt chama, ao elaborar o conceito de “vida ativa” no livro A Condição Humana (1958) e ao desdobrá-lo nas categorias de atividade do “labor” (vida biológica), “trabalho” (criação de objetos pelo homem) e ação (exercício da liberdade), de “perdão” (MOISÉS, 2013). O “perdão” é dado ao agente que cometeu o “mal radical”, nunca ao ato, irreversível e imperdoável. Perdoar é um “ato de amor” que, no caso, tensiona Michael frente a opinião dos colegas. Só que aqui, além do caso da responsabilidade pelo “não-pensar”, temos uma dramaticidade particular: o analfabetismo de Hanna e a sua extrema vergonha pelo fato, levando-a, nessa “situação-limite”, a optar pelo viés de Jaspers do conceito (GARCIA, 2013), pessimista, em vez do de Freire, que não as vê como “barreira”, mas sim como início de “novas possibilidades” (FREIRE, 2011b, p. 125). Isso Hanna faz ao final do filme, a auto-alfabetização pela leitura, o que falarei na última parte desse ensaio.
A onda totalitária
Na aula do dia 27 o professor Rafael trouxe o filme A Onda (2008) para ser assistido. A história se passa na Alemanha de hoje, mas é baseada numa história real ocorrida na Califórnia, EUA, em 1967, que já fora filmada em 1981 nos EUA pelo diretor Alex Garasshoff e publicada em livro por Ron Jones (A Terceira Onda), o professor americano autor da experiência. O professor de ensino médio Rainer Wegner queria trabalhar com Anarquismo, mas uma decisão da diretora da escola o deixou com o tema Autocracia para o projeto da semana. Na primeira aula, o desinteresse dos alunos é flagrante, pois para eles isso era algo arqueológico, que não mais aconteceria na história. Ele resolve, então, fazer uma experiência pedagógica sobre o tema, levando os alunos a trabalharem o conceito na prática, através da formação de um grupo com características autocráticas que, após algumas discussões, foi chamando de A Onda. O experimento é um sucesso tão grande que tudo sai do controle, até o professor que, aos poucos, “imerge” no seu papel de líder carismático e rompe a “dialogicidade” com sua turma. Essa, por sua vez, também “imerge” na “onda”, sobrando uns poucos críticos que são estigmatizados. Ao final do filme, o professor “emerge” e tenta se “inserir criticamente” no processo para “conscientizar” os alunos sobre e experiência totalitário em que “imergiram”. Mas, ao romper-se a “dialogicidade” freiriana em sala de aula, a “imersão” dos alunos no modelo totalitário, arendtianamente falando, mostrou ser um “redesenho do mundo” todo deles, tornando-se uma “máquina totalitária” que, “engenheira de almas”, tomou um corpo real avesso à “singularidade” e a “pluralidade” num “espaço político” de concepção “universal”. Assim, Wegner e seus alunos são inseridos numa “situação-limite” jaspersiana com dramáticas consequências.
O pequeno grande granito que não atolou na areia
Já o documentário Pequeno Grão de Areia, trabalhado na aula do dia 15 de agosto pelo professor Samir, mostra a luta dos professores rurais do estado de Chiapas, no México, pelo seu direito a “inserção crítica” na sociedade, solapado pelo governo federal do país em concluio com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, em prol de uma educação tecnicista e centralizada, voltado ao mercado. Os professores reagem a desativação da Escola Normal Rural de Mactumactza, mobilizando toda a comunidade em sua defesa. A forte repressão policial determinada pelo governo gerou uma marcha dos professores das escolas rurais atingidas até a capital mexicana. O documentário de Jill Freidberg relata toda essa luta. O filme leva a algumas reflexões sobre o processo político como um todo e a educação nele inserido. Creio que reponde melhor à questão Freire, tanto em Pedagogia do Oprimido quanto em Pedagogia da Autonomia, os dois livros do autor consultados para esse ensaio. Para Freire (2011a), o “pensar-certo” exige “comprometimento”, dentre outros aspectos (rigor metodológico, rigor ético, reflexão crítica e amor). “Comprometimento” que os “educadores” de Chiapas demonstraram na busca de sua “autonomia” que, também, é pressuposto para que se realize a “autonomia do educando” na “situação gnosiológica” que é o educar, onde “ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 2011a, p. 96). Em Pedagogia do Oprimido, Freire, ao abordar as diferentes amplitudes que os “temas geradores” possuem, escreve que “como tema principal dessa unidade mais ampla, que podemos chamar de ‘nossa época’, se encontra, a nosso ver, o da libertação, que indica o seu contrário, o tema da dominação” (2011b, p. 131). Freire se referia época em que o livro foi publicado, 1968. Essa realidade latinoamericana que é demonstrada no documentário continua, em minha opinião, completamente atual. E é a partir dela que passamos para o próximo ponto desse ensaio.
Liberdade e Educação em Freire e Arendt
Uma Pedagogia da Liberdade será uma Pedagogia do Oprimido e uma Pedagogia da Autonomia. Não há luta pela educação publica “dialógica”, que não se “insira criticamente” na realidade a fim de transformá-la, creio. E esse processo político e democrático o percebo como essencialmente coletivo. A liberdade que vem da “ação política” dentro de um “espaço político” da “singularidade” e da “pluralidade” também se faz importante, mas onde a opressão é parceira da exclusão social a resposta não pode ser outra que a unidade dos “esfarrapados”, como classe. É exatamente nesse ponto que vejo a diferença entre o pensamento de Freire e de Arendt e que os diferencio para refletir sobre a educação. Diria mais, referendando os autores aqui utilizados quando abordei suas interseções biográficas e reflexivas, que postulam a obra dos dois ser cravada no tempo presente de suas reflexões: é justamente a situação social de ambos, em frente ao real que vivenciaram, a historicidade de seu pensamento, que dá a Freire uma visão libertadora da teoria marxista e a Arendt uma percepção totalitária da mesma. Como Freire é um pensador essencialmente marxista, essa diferença é central para quem vê a luta coletiva como fator de liberdade, eis que libertação. Principalmente porque Hannah Arendt, ao contrário, vê nessa concretização da utopia socialista um dos males do século, precisamente um dos entraves para uma verdadeira liberdade dos homens. Assim, sem ter em conta o real, ou seja, o período histórico e a localização espacial e social de ambos os pensadores, incluindo e igualmente indo além de suas intersecções, não há como não pensar que um deles está enganado. Todavia, ambos estão corretos. A crítica ao fenômeno autoritário do socialismo real de inspiração stalinista faz parte da história da esquerda que pensa a democracia como um valor essencial e não apenas tático. Como o pensamento pedagógico de Freire está fundamentalmente situado nessa perspectiva, sendo uma de suas maiores expressões na América Latina, junto com a Teologia da Libertação, a unidade coletiva voltada para resolver as injustiças econômicas pela “libertação da palavra do oprimido” via um “pensar-certo” crítico e ética e metodologicamente rigoroso não pode ser visto como signatário de uma utopia totalitária. Alem de ser sofista, uma percepção desse tipo soa cínica em se tratando da realidade de exclusão e concentração de renda em que se encontram os “esfarrapados” da América do Sul, uma verdadeira “situação-limite” jaspersiana que deve ser enfrentada numa perspectiva freiriana, ou seja, como como “nova possibilidade”. Arendt, por sua vez, por estar situada na Europa em guerra, por ser de classe média e ter o seu mundo revirado de cabeça para baixo pela concretização estatal das ideologias políticas coletivas de seu tempo e espaço, às quais observou com acuidade o desenvolvimento, dirigiu a estas um pensamento crítico e revelador se suas impossibilidades libertárias. Onde “o Homem”, e não “os homens” foram a tônica, o individual foi sacrificado no altar de um sujeito histórico-coletivo que propunha o redesenho do mundo. A liberdade do pensamento pela libertação da palavra e do diálogo como pressuposto para a concretização da verdadeira liberdade, foco central em Hannah Arendt e Paulo Freire, desta forma toma um contorno libertário insofismável nestes, à luz de suas diferenças de situação histórica e concreta. Se a luta coletiva é a luta que liberta o oprimido numa sociedade desigual, também é verdade que, no passo seguinte, ela não poderá se transformar em opressora. Freire e Arendt tem razão. Mas Freire tem mais razão, por ser, concretamente, esfarrapado e latino. Os filmes e documentários aqui trabalhados tocam, mesmo que transversalmente, no tema da educação e são adequados a uma análise baseada nas teorias de Freire e Arendt, tentativa que foi feita nas respectivas páginas anteriores nos termos especulativos e preliminares a que esse ensaio se propôs. Neles, podemos pegar a eterna “situação-limite” da complexa personagem Hanna em O Leitor, que tanto é uma “oprimida” quanto uma “burocrata”, eis que “inserida” na realidade do opressor, onde introjetou o pensamento do opressor pelo víeis totalitário que banalizava o mal. Hanna foi vítima e algoz, simultaneamente. Não tinha a palavra, visto que analfabeta. Só encarcerada é que encontrou a liberdade, pela auto-alfabetização propiciada pelas leituras gravadas em cassete que lhe eram enviadas por Michael. Encontrou a sua palavra e, nela, sua derradeira “situação-limite”: não suportou o “pensar” sobre sua “condição humana”. O filme revela o que eu estou aqui comentando. Em Hannah Arendt vemos a própria pensadora como vítima da criminalização do pensamento na mesma sociedade liberal que a acolheu e entre os seus pares de nacionalidade. O totalitarismo, ali, também se corporificou como negação do pensamento e desrespeito à palavra crítica. Foi em sala de aula que a sua voz foi aceita como proposição a ser avaliada e debatida. E a educação cumpriu o seu papel mesmo ante o sectarismo de alguns professores. Sectarismo que demonstra a importância do papel que o professor tem para Freire enquanto ser ético e parte fundamental da dialogicidade na educação como um dos seus duplos sujeitos: educador e educando. A Onda mostra o perigo que mesmo um professor bem intencionado cai em romper, mesmo com fins pedagógicos éticos, críticos e rigorosos, com essa dialogicidade, transformando o aluno em objeto da ação pedagógica. Objetos não pensam, quem pensa são os sujeitos, em diálogo, investigando criticamente a realidade. No Pequeno Grão de Areia os professores são oprimidos pelo sectarismo totalitário liberal em favor de uma educação tecnicista e privada, voltada para o mercado. A educação se mostra não como fim em si mesma, mas como um processo político e social bem mais amplo, condicionado por interesses econômicos. Freud não explica a objetividade opressora aos professores, mas Marx e Freire sim. Arendt, nesse caso, se torna a referência para o que virá depois, trazendo reflexões sobre os perigos de um processo de unidade coletiva se tornar uma autocracia autoritária, como A Onda exemplifica em sua experiência. Para Freire, a educação é o caminho democrático e conscientizador para a liberdade que é libertação; para Arendt, a liberdade é o espaço político onde “os homens estão uns com os outros; onde cada um, na sua singularidade, pode agir, opinar, se reunir ou se separar” (KASPER, 2013) e onde “a política não é o lugar da unidade, mas da pluralidade” (KASPER, 2013). Ambos querem o diálogo e o pensamento crítico. É esse o “escândalo do pensamento” a que se refere Marcos Rolim em seu artigo.
Últimas palavras
Termino minha investigação acerca do pensamento de Paulo Freire e Hannah Arendt sobre liberdade e a sua consequência para a reflexão da educação, que partiu da leitura de todas referências abaixo citadas, indo das mais gerais (Wikipédia), passando pelas mais particulares (os livros e artigos) e retomando o caminho do geral que redundou na análise dos filmes e na síntese que é esse ensaio. Aqui estou, onde minha “curiosidade epistemológica” freiriana (criticidade + rigor metodológico) me trouxe, partindo da “curiosidade ingênua” estimulada pela leitura de Pedagogia da Autonomia e pelo filme Hannah Arendt e instigada pelas aulas na disciplina de Filosofia da Educação, onde o pensamento de Paulo Freire foi contextualizado e o livro Pedagogia do Oprimido debatido. Se não encontrei todas as respostas e se é no presente que se responde, então falhei. Mas se o homem é inacabamento e constante devir em sucessivas sínteses, então digo que tracei um rumo de investigação para o futuro. Não existe tempo bom para nau sem rumo, alguém, já o disse. Por não correr mais esse risco, valeu a pena esse ensaio. “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” – Fernando Pessoa. Ou, como disse Ortega y Gasset, “o homem é o homem e as suas circunstâncias”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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