V de Vitória
Foi o povo nas ruas que garantiu a vitória do movimento de junho de 2013 no Brasil. Sempre foi assim na história das lutas populares. O povo não garantiu as Diretas Já nos anos 1980 num primeiro momento, mas solidificou a ideia, tornando-a inevitável. A mobilização popular garantiu o Fora Collor em 1992. Os atos de vandalismo, sejam eles oriundos de uma tática política equivocada, de um espírito antissocial reprimido ou de atividade criminosa, só atrapalham, desmobilizam e estigmatizam os movimentos perante a sociedade, que assim viram presa fácil para a crítica geralmente conservadora da grande mídia.
A redução do preço da passagem de ônibus em todo o país é uma prova da vitória popular. Inicialmente um movimento restrito a grupos organizados, ganhou as ruas num desses momentos raros e únicos na vida de uma nação, onde a cidadania aflora numa catarse coletiva de civismo político. Na carona dessa luta, outras bandeiras foram contempladas, como, por exemplo, a derrubada da PEC 37, a crítica aos gastos com a Copa do Mundo e a pressão por maiores investimentos em saúde e educação.
A urgência de uma reforma politica veio à baila e a classe política foi fortemente tensionada e pressionada como um todo, principalmente a que está a frente de municípios, estados e União, seja na esfera legislativa, executiva ou mesmo judiciária (ou alguém ainda é ingênuo a ponto de acreditar que esta é uma esfera apolítica e meramente técnica só porque não é eleita?). Chegou-se a se discutir a realização de uma constituinte ou de um plebiscito para tal.
E essas vitórias não se restringiram ao tempo em que a mobilização popular ocorreu, visto que, mesmo após o povo ter voltado para casa, o capital político e social incorporado às organizações que iniciaram e encabeçaram as lutas legitimaram ações que, em outras circunstâncias, seriam tratadas como caso de polícia e não teriam consequências práticas. A ocupação das câmaras de vereadores de Santa Maria e de Porto Alegre, por exemplo. Nesses casos, o brado retumbante de junho gerou um eco socialmente legitimado e poderoso.
Aqui no Rio Grande do Sul a Assembleia Legislativa já havia sido ocupada por ativistas políticos e sindicais alguns anos atrás, sendo o ato duramente criticado pela grande mídia e pelos setores conservadores da sociedade, o que levou a derrota do movimento. Muito parecida foi a ocupação dos legislativos municipais agora, só que plenamente vitoriosas, eis que com a legitimidade das ruas ainda visível nos ativistas e reconhecida pela sociedade e pela classe política, esse última ainda na defensiva, procurando, ao contrário do movimento, um reconhecimento de sua legitimidade.
Nesse sentido, o polêmico e emblemático ato dos ativistas de Porto Alegre, ao posarem despidos para fotos ao final da ocupação (foto acima), foi totalmente incompreendido e tratado como infantil, irresponsável ou leviano por vários analistas e políticos. Fora os estragos ao patrimônio e o desnecessário e desrespeitoso uso dos quadros dos (as) vereadores (as) democraticamente eleitos (as), foi limitada a leitura de quem não viu ali o óbvio simbolismo proposto por quem conseguiu protocolar na Câmara de Vereadores um projeto que, se aprovado, reverterá uma recente e infeliz decisão dos parlamentares da capital e colocará a “nu” as planilhas de custos das empresas de ônibus de Porto Alegre. Uma leitura tão clara que, como diria Paulo Francis, está na categoria do óbvio ululante.
“Vem (vem) vem (vem), vem pra rua vem, contra o aumento” foi a palavra de ordem que levou às ruas multidões tomadas de um espírito cidadão e pacifista comprometido com uma sociedade de verdade. Eis, creio, o componente principal da visão de mundo dessa nova geração e sobre o qual, semana que vem, vou especular a respeito, encerrando essa série de artigos.
Texto publicado na secção de Opinião do jornal Portal de Notícias: http://www.portaldenoticias.com.br