V de Vandalismo
Continuando a análise da semana passada (os artigos anteriores podem ser encontrados no site www.portaldenoticias.com.br, na seção de Opinião), onde tratei basicamente do comportamento da classe política e da grande mídia ante as manifestações sociais de junho, os primeiros tentando dar uma resposta a elas visando sua sobrevivência política e a segunda dando um significado conservador e à direita aos protestos, sem realizar a necessária autocrítica (eis que também alvo central destes), retomamos a questão: E as lideranças do movimento, por que conduziram as massas para o confronto e acobertaram, sob o seu guarda-chuva, os extremistas que nele atuaram?
Retomemos também parte da resposta: “Os grupos de esquerda (referenciados em partidos não alinhados com o PT em âmbito nacional) que estavam articulando os movimentos por redução do preço das passagens de ônibus, o estopim inicial dos acontecimentos populares desse junho de 2013, foram também surpreendidos pela amplitude inimaginável que as coisas tomaram. Ao par com o ativismo de confronto dos anarquistas e de militantes socialistas, que estavam inseridos no movimento inicial, juntou-se o ativismo de confronto de grupos de extrema direita, disputando o controle dos protestos com o objetivo de desgastar ao máximo a esquerda no poder”.
Assim, a direção inicial se viu às voltas com uma tática inadequada para a evolução do movimento que, em seu estágio de massas, caía em contradição com o espírito majoritariamente pacifista dos jovens que foram maciçamente às ruas. Mas o pessoal do confronto, num movimento sem um centro formalmente estabelecido de comando (coisa que a Greve Geral do dia 11 de julho teve), continuou confrontando e tal tática serviu para agregar ao movimento toda a sorte de ladrões e criminosos oportunistas, que saquearam às pampas enquanto os extremistas cutucavam o choque para gerar confronto e obter “repercussão”, ou seja, gerar a “notícia-espetáculo” procurada pela grande mídia.
Miopia política pura, pois um movimento que levava milhares de pessoas às ruas não precisava dessa tática de confronto equivocada num regime democrático. Mas como controlar os parceiros de primeira hora? Como lidar com a inconveniente e indesejada adesão da extrema direita sem também entregar às autoridades os parceiros? Sem resolver essa questão satisfatoriamente, perderam o debate da significação ideológica pública do movimento para a grande mídia e o movimento começou a se esvaziar, em parte, sim, pelo sentimento de escândalo e estupor que os atos de vandalismo a bens públicos e os arrastões criminosos a lojas e a pequenos comerciantes geraram na opinião pública. Nessa situação, as pessoas deixaram de sair de casa, até porque esse não era o tipo de mobilização que elas queriam. A classe média não costuma ir para as ruas e, quando sai, a última coisa que quer é apanhar da PM.
Essa situação criou força, por um lado, porque a grande mídia, mais preocupada em significar do que em combater um movimento que estava indo de encontro aos interesses que representa, em vez de fazer a estigmatização do movimento como um todo, validava-o atribuindo os atos negativos a “infiltrados”; por outro lado, os governos em particular e os políticos em geral estavam mais preocupados em “dialogar” do que em reprimir, evitando ao máximo um desgaste ainda maior para 2014.
O pior é que isso tudo leva muitos militantes políticos e sociais em formação, ainda jovens, a entenderem que o vandalismo é uma tática acertada de luta, que dá resultado. Tremendo engano: num futuro governo de direita enfrentarão uma repressão policial duríssima e um bombardeio da grande mídia, legitimando a repressão e deslegitimando o movimento, que será jogado no gueto do ostracismo. Foi o povo nas ruas que garantiu vitórias ao movimento. Falarei disso na semana que vem.
Texto publicado na seção de Opinião do jornal Portal de Notícias: http://www.portaldenoticias.com.br