V de Vozes
V de Vozes
Continuando o assunto de meu artigo anterior (que pode ser encontrado nos sites www.portaldenoticias.com.br ou www.souzaguerreiro.com), ficaram as perguntas: porque os manifestantes das ruas estão contra os governos e a grande imprensa? E porque estes ficam debatendo as sequelas, ou seja, confrontos da BM com manifestantes, em vez de debater o por que de seu desgaste e descrédito social? E as lideranças do movimento, porque conduzem as massas para o confronto e acobertam, sob o seu guarda-chuva, os extremistas que nele atuam?
“Se você ouvisse as vozes dessa noite, acharia tudo o que eu faço natural” – Humberto Gessinger. As jovens vozes das ruas, desconectadas de todo um sistema social que “não as representa”, pede passagem e, mesmo sem saber ao certo o que deseja, sabe exatamente o que não quer mais: a lógica atual que rege governos, parlamentos, tribunais, imprensa, partidos, sindicatos, associações, em suma, os órgãos do sistema social vigente.
E o sistema social, se por um lado fica perplexo ante a independência da nova lógica emitida pelas vozes das ruas, por outro trata de emparedá-la sob um discurso que lhe dê um significado instrumental aos seus próprios interesses, políticos (tanto à esquerda quanto à direita) ou de qualquer outra ordem. A classe política e a imprensa aí se situam, e os mariscos (PMs e jovens) ficam no meio, espremidos por uma maçaroca de interesses divergentes no sistema social, referentes à disputa de poder nacional de 2014.
A classe política em seu habitat natural (governos, parlamentos, partidos, sindicatos), é a primeira a ser fortemente tensionada e atingida pelas vozes, logo, é a primeira que reage tentando entender, significar ou cooptar o movimento, pela via da esquerda ou da direita, visto que está em questão a sua própria sobrevivência.A grande imprensa igualmente desgastada, desacreditada e alvo, reage sem autocrítica alguma. Ao contrário: é a principal máquina a significar instrumentalmente as vozes das ruas, tentando colocar em suas bocas um discurso majoritariamente conservador e pela direita, comprometida que é com o poder econômico. Como a distinção entre esquerda e direita está diluída na política nacional e as pessoas não a percebem na prática, esse jogo concreto de significação ideológica passa despercebido, embora seja ainda concreto, ativo e operante.
Assim, o que é melhor para tal significação? Pautar principalmente o debate sobre o que está acontecendo ou pelos excessos policiais ou pelos excessos dos jovens, a parte “espetacular” dos fatos, tirando o foco da crítica e da autocrítica necessária aos órgãos do sistema social. No caso da grande imprensa, tribuna tradicional das forças conservadoras, ela põe na conta do governo federal todo o desgaste, operando o jogo concreto acima citado que, para a maioria das pessoas, é ininteligível.
E aí chegamos aos grupos de esquerda referenciados em partidos não alinhados com a aliança pragmática de centro do PT em âmbito nacional, que acusam de ser fisiológica, corrupta e de, assim, promover a diluição das diferenças políticas e a despolitização das massas, colocando toda a classe política num mesmo saco ante os olhos da população. Esses grupos estavam por trás dos movimentos por redução do preço das passagens de ônibus que foram o estopim inicial dos acontecimentos populares desse junho de 2013 e foram também surpreendidos pela amplitude inimaginável que as coisas tomaram.
Assim, ao par com o ativismo de confronto dos anarquistas, que estava inserido no movimento inicial, juntou-se o ativismo de confronto de grupos de extrema direita, disputando o controle das vozes das ruas. Daí o mosaico (ou seria também maçaroca?) ideológico dos insatisfeitos, pois todo mundo resolveu ir para as ruas liberar a sua voz, pacífica ou não, apartidária ou não, ideológica ou não, pragmática ou não. Continuo na semana que vem.
Texto publicado na seção de Opinião do jornal Portal de Notícias.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 11/07/2013