João Adolfo Guerreiro
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Foto - Rio Jacui.

Charqueadas 31 anos: a minhoca estrangeira e a balzaquiana

Nasci em Charqueadas, no final da década de 1960. Em casa, na Colônia, vindo ao mundo pelas mãos da parteira Gessi Quadros. Logo, sou, junto com um bom número de “coloneiros”, um filho dessa terra, uma legítima minhoca charqueadense, criada solta às margens do Jacuí, junto aos “amaricás”, brincando no “Casarão”, no chão batido da “Rua da Paineira” e cursando o primário no Ramiro da Dona Chiquita.

Por outro lado, a gente, lá da Colônia, considerava-se duma outra cidade. Charqueadas para nós era como se fosse uma São Jerônimo, só que mais perto. “Vamos lá em Charqueadas?”, “Vou lá em Charqueadas!”, era o que se falava por ali nos anos 1970. Afinal, a Colônia era a terra do Cláudio Duarte, lateral esquerdo bi campeão brasileiro pelo Inter. Assim, sou meio estrangeiro na cidade onde sou dos raros que nela, de fato, nasceu.

Em dezembro de 1978 vim para a super quadra 2, quadra 9, casa 01 da Vila Cohab (atual Bairro Sul América) no possante JK Alfa Romeo dos meus pais dividindo espaço com minha irmã, os gatos e o cachorro. Aluno do Cruz de Malta do professor Cláudio Freitas, presenciei in loco a emancipação da cidade, que hoje completa 31 anos. Como a Charqueadas, a “Velha Charqueadas”, naquela época compreendia a zona urbana do rio até a ERS 401, eu agora estava perto da cidade, frequentando suas ruas com assiduidade, mas ainda era “de lá do outro lado da faixa”, “de lá da “Cohab”, vila operária periférica habitada, em sua maioria, por famílias de brigadianos, agentes penitenciários, professoras, metalúrgicos e mineiros. Com exceção dos últimos, grande parte oriundos de outros cantos do Rio Grande, atraídos pelas oportunidades de emprego, característica de destino migratório que até hoje a cidade possui.

Charqueadas cresceu muito dos anos 1970 pra cá. Mas bah tchê, cresceu uma barbaridade! Descer correndo a lomba de chão batido da Cruz de Malta de bicicleta era um feito para poucos destemidos! Fazer guerra de bosta de vaca nos campos situados aos fundos da Cohab era uma epopeia! Subir o morro da entrada da Vila Santo Antônio e se esconder entre os eucaliptos era uma aventura! Hoje esses locais estão completamente urbanizados, assim como os morros de carvão pelo centro da cidade e os “laguinhos-de-chuva” entre eles.

E eu falo da época em que a cidade já estava de costas para o rio, esse manancial que havia sido a razão de sua existência em seus primórdios no século XIX. Portanto, nem presenciei o tempo em que do Centro até a Cohab existiam muitos açudes. Hoje a cidade já tem até um shopping center!

Na segunda metade da década de 1990 finalmente vim para a “Velha Charqueadas”: fui morar no centro, junto a região da Beira Rio, casado com uma “nativa”. Sem esse resgate histórico subjetivo é estéril falar da Charqueadas de hoje . Uma cidade que, ao se distanciar do rio, afastou-se da sua história, da sua origem.

A cidade continua com sua vocação econômica pujante, pois o Polo Naval está se instalando e, concomitantemente, ainda geramos muitos empregos como polo metal-mecânico e penitenciário. Temos uma escola de alto nível, o IFSul, e uma rede municipal e estadual bem estabelecida. Um evento de grande porte que é o Rodeio Estadual. Um hospital público, recentemente reformado, um parcão com equipamentos culturais e esportivos e uma ciclovia.

Porém, igualmente temos enormes desafios, ampliados pelo novo ciclo de desenvolvimento, na questão ambiental, na mobilidade urbana, no saneamento, na saúde, na segurança pública, no resgate histórico e na agenda cultural. Em termos políticos a cidade parece até refluir, pois na última campanha eleitoral não vi as candidaturas majoritárias priorizarem o debate de projetos e programas de governo, mas sim a prática beligerante da “Velha Charqueadas”.

A balzaquiana Charqueadas está aí, aos 31 anos, uma cidade enigmática para meus olhos “estrangeiros daqui” quanto aos seus rumos. “Emboras lá pra vê”, como dizia o alemão Bira lá da Cohab, um “coloneiro imigrante” que nem eu.

Texto publicado hoje no jornal Portal de Notícias. http://www.portaldenoticias.com.br

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 28/03/2013
Alterado em 24/03/2015
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