AutobiografiasAutobiografias
Depois dos sessenta e antes dos setenta anos toda a pessoa deveria escrever uma autobiografia. Era para ser um dever para todo o cidadão: deixar algo sobre sua vida, escrito de próprio punho, para as gerações futuras. Se, como dizem, a juventude é a descoberta da vida que só vai atingir a plenitude aos quarenta, creio ser nos sessenta anos o momento ideal de fazer esse (primeiro?) legado escrito. Foi justamente o que fizeram Olmerindo Fischer e Neil Young, autores de duas autobiografias que li recentemente.
Dois homens de um mesmo tempo e de espaços diferentes. Um, gaúcho brasileiro de dezembro de 1944; outro, canadense de novembro de 1945. O primeiro, filho de agricultores, venceu pela força do trabalho; o segundo, filho de um escritor, venceu pelo talento musical. Em comum, dois “andarilhos”, o que vem a ser o título do livro de Fischer.
Nas primeiras 37 páginas de "Andarilho Solidário" está a autobiografia de Olmerindo Fischer (foto abaixo). Uma escrita simples, por vezes truncada, mas não se engane: vai saber muito mais sobre parte da realidade da vida nessas poucas páginas do que em algumas “literaturas” badaladas que tem por aí.
Fischer é o tipo de “pinheiro que não se fabrica mais”, como disse de um parente a literata charqueadense Patrícia Ferreira numa crônica muito boa. Nasceu em Rio Pardo e viveu e trabalhou em General Câmara, Estrela, Venâncio Aires, Charqueadas, Porto Alegre e pelo Paraná. Principalmente como caminhoneiro autônomo, uma das muitas atividades que exerceu ao longo da vida, sempre trabalhando duro, com muita honra e seriedade, enfrentando as injustiças oriundas de calotes e golpes tanto do setor público quanto do privado, pragas que atazanam os pequenos empreendedores e beneficiam os que lucram parasitando o seu suor em concluio com a insensibilidade social dos arrecadadores de tributos.
“
Hoje, aos 67 anos, meu maior patrimônio é a experiência da vida, a honra pelo aprendizado básico em vários campos de atividade em diversas áreas e funções, sempre no trabalho produtivo, quando esse nunca foi reconhecido e valorizado como tal”, escreve Fischer na página 7. Resume a ideia básica do livro, contando a vida desse homem que começou trabalhando descalço no campo, numa família de dez irmãos, e que hoje é um cidadão bem estabelecido.
Já “A Autobiografia”, de Neil Young, é um relato de vida do famoso cantor e compositor ao longo de mais de quatrocentas páginas. Young até hoje é uma referência no mundo do rock. Podemos ouvir canções suas (Hey hey my my, Rockin' in the free world) interpretadas por bandas como Pearl Jam, Oasis e pelo projeto G3 de Joe Satriani e Steve Vai, por exemplo. Começou em bandas seminais do rock dos anos 1960 como Buffalo Springfield e Crosby, Stills, Nash & Young, que tocou no Festival de Woodstock em 1969. Percorreu o mundo com suas canções e mantém carreira solo acompanhado da banda Crazy Horse. Ultimamente tem se dedicado a projetos como o Lincvolt, um carro de grande porte movido a biomassa, o PureTone, que tenta resgatar para a atual geração a magia da reprodução musical em alta qualidade sonora e a outras atividades de cunho filantrópico e ambiental. Uma excelente autobiografia que adorei ler.
Sempre preferi as autobiografias às biografias. O relato de quem viveu a própria vida me parece bem mais interessante que a interpretação dos que a observaram ou estudaram. Essas duas autobiografias acima me acrescentaram algo. “
Não acredita na ilusão... Acredita naquilo que sai da alma, do coração” está escrito na contra capa de “Andarilho Solidário” e poderia muito bem estar na de “A Autobiografia”. Homens de espaços diferentes, mas de um mesmo tempo.
Texto publicado na seção de opinião do jornal Portal de Notícias: http://www.portaldenoticias.com.br