Crônica tem tudo a ver com o verão, não é mesmo? Por tal motivo, nesse período, os jornais geralmente colocam seus colunistas a escrever sobre as pequenas histórias do cotidiano da praia envolvendo veranistas. Com esse espírito de falar de crônica no verão, na semana passada abordei o centenário de nascimento do cronista Rubem Braga e dei umas boas dicas de leitura do “velho”. Hoje quero falar de um grande cronista gaúcho (gremista) e brasileiro há 42 anos na lida: Paulo Sant”Ana. E por um outro viés, ou seja, o da importância social da crônica e dos cronistas.
Cronista clássico e típico, “de jornal” (desde 1971 é colunista do Zero Hora), com apenas três livros editados: O Gênio Idiota (1992), O Melhor de Mim (2005) e Eis o Homem (2010), que, com exceção do primeiro, podem ser encontrados facilmente nas livrarias (fica aí outra dica de leitura para o verão). Como traço em comum com vários cronistas e literatos de sua época (Braga, Drummond, Moraes, etc), Sant’Ana tem profissão fora da imprensa, no serviço público (é delegado de polícia aposentado). Eis o breve currículo do homem, que leio e admiro desde que me conheço por gente. Uma influência.
Mesmo estando com a saúde consideravelmente debilitada nos últimos anos, Sant’Ana continua na ativa, dando lições acerca do alcance social que esse gênero literário pode ter ao abordar não somente temas leves do cotidiano, mas também opinando sobre questões fundamentais da vida em sociedade.
Dia 17 publicou a crônica “A Areia do Jacuí”, onde comentou uma “reportagem da RBS TV divulgada no domingo, quando todos ficamos sabendo que diariamente, à noite, caravanas de grandes barcos se dirigem às margens do Rio Jacuí e retiram das margens do rio milhares de toneladas de areia para construção, profanando a natureza e terminando por lentamente ir assassinando o rio, que com essa devastação está literalmente perdendo a condição de existir.”
Mesmo repercutindo uma notícia de TV, o cronista cumpriu seu papel sendo enfático ao dar sua opinião: “Os safados que estão retirando toneladas de areia das margens do Jacuí sabem que são patifes, pois foi mostrada na reportagem que eles retiram areia do rio todas as noites, não o fazem de dia porque seriam flagrados e responsabilizados. São canalhas. E lucram fortunas com essa retirada ilegal de areia das margens do Jacuí.”
O texto é Sant”Ana em seu estilo puro: forte, incisivo, visceral e direto.Trata de um problema que está aqui, sob as nossas barbas e batons: a depredação do rio Jacuí. Fiquei satisfeito pelo “mestre” ter tocado no assunto, pois o Jacuí é um tema que me preocupa e que venho tendo a oportunidade de abordar frequentemente aqui no Portal de Notícias, como bem sabem os leitores do jornal que passam os olhos por meus textos nas terças. Entendo ser de fundamental importância que qualifiquemos nossa relação com ele neste momento, ante a realidade de instalação de um Polo Naval em Charqueadas.
É toda uma problemática envolvendo a poluição industrial, os esgotos despejados sem tratamento, a não exploração sustentável do seu potencial turístico, social, econômico e cultural, a falta de relação do povo com o rio, os balneários considerados pela FEPAM impróprios para o banho e a exploração predatória do mesmo no tocante a mineração de areia, conforme demonstra o veterano cronista.
Mesmo o Jacuí sendo uma dádiva ímpar da natureza, não temos crônicas legais de veraneio em nossa região, pois o mesmo está sujo, abandonado, ameaçado e, por certo, chorando lágrimas de areia...
Texto publicado na seção de opinião do jornal Portal de Notícias:
http://www.portaldenoticias.com.br/Colunas/jo%E3o/index/jo%E3o.htm