Um grande evento de entretenimento cultural e social o show do Roupa Nova em Charqueadas na última sexta, no Parcão da cidade. Cerca de 12 mil pessoas irmanadas ao final de tarde num ambiente bucólico apropriado para o lazer coletivo, num daqueles momentos em que tudo pareceu convergir para um dia perfeito: clima, data, horário, local, organização, público, artistas.
Em primeiro lugar, foi uma boa iniciativa da empresa Tractebel Energia comemorar seus 50 anos com esse show, contando com o apoio da Secretaria Municipal de Cultura, Desporto e Lazer. Mostraram que, com investimento, coisas legais acontecem na área. Em segundo, foi também uma ótima escolha o Roupa Nova por dois motivos: além do grupo ser a trilha sonora de muita gente (principalmente nos anos 80 e 90), os artistas vieram à cidade a fim de mostrar serviço, realizando uma grande apresentação de mais de duas horas com a habitual competência técnica musical aliada a muita energia, vontade e carisma sobre o palco. Quem vai seguidamente a shows de música mainstream sabe o que eu estou querendo dizer.
“Navegando” por uma rede social na Internet, vi um amigo comentar num post que o exemplo da Tractebel poderia ser seguido por outras empresas locais, ou seja, elas patrocinarem a vinda de grandes shows ao ar livre para a cidade. Na hora estranhei isso, pois sou daqueles que entende que uma empresa tem de, sobretudo, pagar bem seus funcionários. Mais compromisso social que isso não consigo imaginar.
E reviver um espírito Woodstock à moda da contracultura riponga, do “entrada livre”, com patrocínio de grandes empresas, soa desafinado a um cérebro sessentista. Não que ninguém tenha bancado os “três dias de paz, amor e música” do mítico festival, mas ali foi uma evolução dos acontecimentos, pois os três dias seriam, de início, pagos. Mas os “loucos cabeludos” derrubaram as cercas e o organizador achou tudo “o maior barato bicho!” e deixou por isso mesmo. “Que se dane o dinheiro” – disse.
Claro que o comentário não tinha toda essa reflexão por trás, era fruto da alegria de quem viveu um momento muito bom entre amigos, familiares e conterrâneos e que desejava ter isso outra vez. Simples assim. Contudo ele acabou tocando num ponto fundamental: o que podemos pensar a respeito da cultura local a partir de um grande evento como esse?
Há anos que a formula da cultura de Charqueadas é basicamente algo como (CRG)x3m+SFs/FMC. Destrinchando-a: Carnaval, Rodeio e Gincana em março mais Semana Farroupilha em setembro, tudo dividido por um apoio aos artistas locais via Fundo Municipal de Cultura. Dessa fórmula foi tirada a Agenda Cultural do Município, que estabelece em Lei Municipal vários eventos de diferentes segmentos culturais (literatura, música, artes cênicas, artes visuais, dança, etc) durante todos os meses do ano. Essa subtração envelheceu nossa fórmula cultural.
Ao participar de um show como o de sexta passada, é justamente isso que vem à mente. O necessário fomento público ao produtor cultural local, de forma efetiva, indutora, com verbas consistentes para termos uma cultura de base o ano inteiro. Não adianta ter um Rodeio de primeira e uma cultura local de quinta; um show como o do Roupa Nova e o esquecimento da Mostra de Música Encanto da Terra. A cultura, nesse aspecto, é parecida com a agricultura: ou tu planta e colhe na tua cidade, ou tu vai ter de comprar fora.
Uma nova fórmula seria, no caso, a retomada da fórmula antiga, anterior a atual velha fórmula que é velha por ser inadequada, não por ser velha. Sacou bicho?