Cansamos de ouvir por ai que o futebol é arte e paixão popular. O Campeonato Municipal de Futebol de Salão de Charqueadas confirma isso. E também outras coisas que não ouvimos tanto por ai...
O Ginásio do Sindimetal está bem localizado na cidade. Na região central, em frente ao Solar Shopping. Próximo ao cruzamento de duas das principais avenidas da cidade: José Athanasio e Cruz de Malta. Elas praticamente cortam o pequeno perímetro urbano da cidade de ponto a ponta, como se fossem mesmo a cruz referida no nome de uma delas. Aliás, no cruzamento fica o grande prédio da igreja católica Cristo Rei e, na José Athanasio, ao lado do shopping, outro grande prédio religioso, o da igreja evangélica Assembléia de Deus.
(Trabalhei no Sindimetal – filiado a CUT - no inicio da década de 90, como funcionário do setor de Imprensa e Divulgação. Bons tempos onde fazia basicamente a função de redator do boletim do sindicato, “O Metalúrgico”, que continha a famosa secção chamada “Marreta”. O diretor responsável pelo setor era um amigo e colega de militância política. Ótimos tempos aqueles.)
No ginásio quase trintão, pintado de amarelo ouro e com vários desenhos, frases e textos classistas gravados em suas paredes, essas lembranças e muitas outras relacionadas vem a minha mente naquela tarde de sol de domingo do décimo primeiro dia de dezembro de 2011, observando o ginásio vazio. Cheguei por volta das 18:15h, a rodada das semifinais estava marcada para as 18:30h. Entretanto, fui o primeiro a sentar na arquibancada.
Às 18:45h umas duas centenas de pessoas já me faziam companhia. A primeira torcida identificada que chega é a do Arsenal, com camisetas onde predominava o verde. Mulheres, crianças, alguns jovens e homens de idade. Parentes dos jogadores, provavelmente. Três guris da torcida entram na quadra (os seguranças ainda não estavam presentes) e começam a bater bola. O maior fica no centro da quadra e chuta nos menores, que ficam um em cada goleira. Se diverte a gurizada. Eu os observo. Volto a infância. Já fui assim. Eles devem sonhar em um dia estar naquela mesma quadra disputando o municipal pelo Arsenal. Isso deve ser o máximo para eles.
19:15 começa o primeiro jogo das semifinais da Série Prata: Arsenal x Kayamba. O primeiro com camiseta predominantemente verde e branca, o segundo azul escuro. Kayamba, nome legal, de onde será que tiraram? Ah, a criatividade dessa juventude de hoje, de ontem e de sempre! No Arsenal joga o Ruliço, amigo do meu cunhado mais novo, que havia chegado pouco antes do jogo. Logo, torcíamos para o “Time do Ruliço”, que é um rapaz legal, gentil e educado. O jogo valia não só vaga à final da Série Prata, mas também uma das duas vagas para a Série Ouro.
O Ruliço (ele é meio gordinho, mas, para minha surpresa, é boleiro de boa qualidade) fica no banco, vem de lesão. Meu cunhado passa quase todo o jogo xingando o técnico por isso, quer o camarada em quadra. Um neguinho esguio, jogando com a 10 se não me trai agora a memória, é o diferencial do time e, em cada um dos gols que fez no jogo, pulou onde estava a torcida, agarrando-se na rede e agitando-a energeticamente.
Mas o Arsenal está desarrumado em quadra. Meu cunhado, que conhece os jogadores, diz que o time está mal escalado. O Kayamba está firme e coeso como o seu zagueiro, um alemão gordinho de cabelo crespo e curto que joga duro. Da pra ver a barriga dele sobressaindo-se na camiseta. Segundo meu cunhado ele, no domingo passado, teria “rachado” a cabeça de um cara batendo com um capacete de motoqueiro, numa briga entre torcidas no mesmo ginásio, num jogo entre CSKA e Manchester, pela Série Ouro. O pessoal do Manchester e do Kayamba são da mesma turma, pelo que entendi. Gostei do estilo do gordinho, o Grêmio precisa de um cara assim na zaga!
O Kayamba dominou todo o jogo e o venceu, por 4x3, se não me engano. Sempre esteve em vantagem no marcador. Tinha um camisa nove boleiro lá na frente, magrão, branquelo e meio alto. Realmente, quando o treinador do Arsenal mexeu na equipe deu pra ver que meu cunhado tinha razão: o time que iniciou o jogo não era a melhor formação. As alterações surtiram efeito mas o Kayamba segurou o resultado. O último gol deles foi do gordinho, que fez uma jogada rápida pela ala esquerda, saindo da intermediaria do seu lado defensivo da quadra, chutando de pé trocado alto e forte no canto direito do bom goleiro do Arsenal. Realmente, esse guri (esse pessoal todo tem 18, 20 e poucos anos, poucos tem mais que isso) tem que jogar no Grêmio, eh eh eh eh!
Duracell x Ouro Negro (foto abaixo) era a outra semifinal da Série Prata. 9x0 para o time das pilhas. Aliás, o uniforme deles usa as cores das ditas, laranja e preto, bem do jeito que estão dispostas nestas. Detalhe: no uniforme, tem um logo da Unicef igual ao que tem na camiseta do Barcelona. Eh eh eh, autoconfiança é quase tudo nessa vida.
Os jogadores do Ouro Negro entraram de mãos dadas em quadra, com a tradicional bandeira do time, que é muito antigo na cidade, do tempo em que praticamente só tinha futebol de campo e que o carvão ainda era explorado em minas subterrâneas na cidade (estou aqui falando de décadas, minha gente). Eram sete atletas ao todo. O outro time tinha doze. Me senti um piazito de oito anos olhando-os entrar em quadra vestindo o característico uniforme amarelo e preto. Grande Ouro Negro, sempre grande. O Ajax, o Americano e o Elite (grande time de futsal, onde jogaram Denizard, Menoti, Beto Delegado e Verta - grande Everton Calbar, talvez o melhor jogador que já surgiu em Charqueadas e que eu tive o privilégio de ver jogar -, dentre outros), times famosos da vila onde nasci em Charqueadas, a Colônia, não existem mais. Mas o Ouro Negro está aí, resistindo ao fim do ciclo do carvão em Charqueadas, junto como Jeromina, que também disputou a Série Prata mas não chegou às semifinais. Tomaram 9x0, mas lutaram até o último segundo contra um time muito superior, honrado a histórica camiseta. Torci pra eles o tempo todo. Lutar é a vitória primordial, é a coragem dos bravos em qualquer aspecto ou situação da vida. Palmas, Ouro Negro.
(Comecei a acompanhar o municipal de futsal ano passado, por influência do meu cunhado mais novo, estudante de Educação Física, que todo domingo ia ver os jogos e torcer para o Celtic na Serie Ouro, time verde e branco onde jogam uns conhecidos dele. Esse ano, além do hábito de assistir jogos locais renovado em função dos jogos interessantes, tinha também a motivação de assistir aos times do sobrinho da minha mulher (LDU), do meu sobrinho e afilhado (Zenit), disputando a Série Prata. Ambos não chegaram longe. E o Celtic, semifinalista em 2010, agora em 2011 foi rebaixado, junto com o Power Guido, nada mais nada mesmos que ... o campeão de 2010 da Série Ouro!!!)
A esta altura o público já lota as arquibancadas. A grande maioria gente jovem, dos 15 aos 25 anos. A juventude charqueadense. Moços e moças bonitos e saudáveis. Crianças e casais também, gente aí na faixa dos 30. Alguns quarentões como eu e raros idosos.
É, a vida é dos jovens, que tem a plenitude física e ainda a perspectiva das “descobertas” da vida. Tudo bem que o que lhes sobra em hormônios falta em sabedoria, mas tem de ter alguma vantagem em ficar coroa, né, além dos cabelos cor de prata...
Tanto sobra em hormônios e falta em sabedoria que algumas brigas aconteceram. E nada mais mané do que briga em evento esportivo. Embora alguns grisalhos tenham participado da presepada!
Quem quiser uma amostra da fauna local, e só ir aos domingos nos jogos do municipal.
Na Série Ouro, o primeiro jogo foi entre Radar e Sede Zero. O Radar teve a melhor campanha da fase classificatória. Um time de qualidade e coeso. O segundo é um time de valores, mas não tão coeso.
Bonito ver na quadra o contraste entre o uniforme vermelho, branco e preto do Radar (fundado em fevereiro de 1993) com o verde, branco e preto do Sede Zero (originário de um bloco de carnaval fundado em 2004).
Esse eu lembro bem que terminou 11x7 para o Radar, mas o placar não diz o que foi o jogo. Revela bem o melhor conjunto e nível entre os jogadores que tem o Radar, mas não a história emocionante do confronto e o talento de um craque, craque do jogo e, na minha opinião, do campeonato. Um jogador mágico daqueles que encanta quem gosta de futebol.
Um negro magricela, ossudo, de 1,80m aproximadamente, rosto comum e sem graça, caminhar desconjuntado, como se estivesse arrastando pesos nos pés ou nas costas curvadas. Nada nele faria suspeitar de estar ali um craque. Mas quando a bola rola e chega nos pés dele, trata-o como ”meu senhor”. E ele retribui o respeito tratando a dama como ela merece. O negro magricela e a gordinha branca são dispares na forma e na cor, mas foram feitos um para o outro. Almas gêmeas. A bola gruda no seu pé, apaixonada. A bola sai do seu pé, feliz, porque sabe que dali sempre é lançada rumo ao encantamento dos olhos de centenas de pessoas. A bola é um instrumento que precisa de um artista para mostrar todo o seu valor. E a bola ama os artistas. E o povo, que esta ali porque ama a bola, aplaude o artista que ela ama. Jogava com a camisa 5 (vide foto acima), o nome – ou apelido? - parece que é Dael, e parece que ele veio da cidade de Arroio dos Ratos. Mas lembro bem dos gols que ele fez...
O Sede Zero sai com 2x0 na frente, dois gols de craque do craque. Dribla goleiro e tudo e vai atrás da goleira acenar para uma mulher, que levanta da cadeira e o felicita. A bola ali do fundo das redes, plena de satisfação por um orgasmo coletivo, olha e não sente ciúme da concorrente. Concorrente? Não, dentro da quadra o artista é todo dela. Fora da quadra, de outra. Mas ali só dela, a amante volúvel de cada artista que tem o dom de tratar a dama como ela merece. E o artista negro é um desses.
O Radar, time, como disse, bem nivelado como um equilibrista impassível na corda bamba, reage e faz 4x2. É que ali também tem um magricela, loiro, alto, com a mão enfaixada, que também disputa o coração da bola.
Mas o craque é o craque. Num momento que a bola sobe em frente à área, olha do alto e vê seu amado lá de cima. Sedenta por um novo orgasmo, mergulha rumo ao nirvana dos pés do artista que a conduz com força por baixo do goleiro do Radar. Um goleiro muito bom, diga-se. O que só aumenta a qualidade da obra do artista, pois o valor de uma luta está não na gente, mas no valor do adversário que se derrota – li idéia parecida no romance A Sombra do Vento, do Zafón. Gol feito, o craque vai buscar a bola no fundo das redes, por certo num arroubo de ciúme de que o vil goleiro toque com as mãos na sua amada estando ela ainda em pleno gozo. Agarra a amada, que lhe sorri satisfeita.
Daqui a pouco o jogo esta 5x4 para o Radar. E desta vez o craque mostra que se a cabeça pensa e o pé executa, às vezes é bom diminuir a distância e pensar e executar com a mesma parte do corpo.
Numa cobrança de escanteio, não lembro como, a bola sobe e vem de encontro a cabeça do artista. Eu da arquibancada antevejo o lance a ser feito. Lance de precisão, meticuloso, a ser executado com jeito e delicadeza. E o craque, que na certa já tinha percebido o mesmo anos luz à minha frente, dá um toque sutil na sua amada com o cocuruto sem graça de cabelo raso que fica entre seus ombros, mas que nesse momento se transforma no Everest, acima de tudo e de todos. O bom e vil goleiro, esse chá de pêra, aquele que não goza mas que está ali para impedir o gozo, só olha a bola ir de leve deslizando pela parábola a ele impossível de trilhar e que só a genialidade e a mestria faz a bola percorrer rumo ao útero de redes.
O povo aplaude, maravilhado, aquela relação amorosa. O Grêmio tem que contratar esse cara também.
Mais um pouco e a cabeça do craque novamente atalha os pés, atalha a bola lançada veloz rumo ao outro lado da quadra e a desvia firme para dentro do gol, no contrapé do bom e vil goleiro, perto dos seus olhos mas longe de suas ignóbeis mãos. 6x5 Sede Zero!
Meu cunhado faz questão de lembrar que futebol é conjunto. Num piscar de olhos, dois gols. 7x6 Radar. Bem, o final eu já disse acima para vocês. 11x7. E também disse que a bola é uma amante volúvel. E também falei do loiro magricela que disputava o amor da dama.
Pois bem, num lance que só os casanovas da bola sabem fazer, o loiro deu uma sutil e precisa carícia com o pé esquerdo na bunda da gorduchinha na saída do igualmente bom e vil goleiro do Sede Zero (os 11 gols que tomou podem enganar quem não estava lá, como eu), a bola subiu mansa e preguiçosamente por cima de seu corpo e mãos, debochando, lá de cima, durante seu vôo em câmera lenta, do olhar de condenado do guarda metas, para só então descer egoísta rumo à felicidade.
O negro deve ter olhado para a bola e para o loiro. A bola sentiu o olhar de ciúme, mas nada podia fazer, ela era assim, essa era a sua natureza, amante volúvel. Porém não havia dúvidas de quem, naquele dia, foi o grande amor da vida dela. E esse momento de mágica vai ficar na memória dos que assistiram o jogo pelo infinito possível a uma vida humana.
Na rodada havia os guris que limpavam a quadra. Dez, doze anos eles. Batiam uma bola nos intervalos dos jogos. Quando eu era guri, eis uma coisa que eu gostaria de ter feito, limpar a quadra e chutar umas bolas a gol no intervalo, com todo aquele povo olhando. Uma quadra esportiva é um lugar de magia e encantamento para uma criança que tem inteira à sua frente a perspectiva do sonho. O maior deles, gordinho e com uma vasta cabeleira clara e lisa como se fosse um músico de heavy metal, usava uma camisa toda vermelha de um clube de futebol que eu não identifiquei. Um tipo bem chamativo ele.
Auto Sul/Paredão x CSKA foi um duelo de ases no gatilho.
Velocidade, fome e força em confronto. Duas grandes equipes, pares, análogas, farinhas do mesmo saco, a não ser por uma pouco diferença de peso em favor do Auto Sul que, não à toa, tem também o Paredão no nome. Um triangular final entre eles e o Radar seria um épico futebolístico inesquecível de puras emoções. Mas a vida é o que ela é a partir das escolhas dos homens, e não o que ela não é. E a formula do campeonato foi uma escolha feita.
Entraram em campo sem os uniformes tradicionais: o Auto Sul todo de preto, em vez de branco; o CSKA com uma camiseta num tom meio lilás escuro, sei lá que cor era aquela (seria famosa cor de burro quando foge?), em vez do seu forte uniforme tom de azul escuro, roxo.
Auto Sul saiu na frente e manteve o placar por todo o primeiro tempo, naquele veloz e aplicado jogo de xadrez entre as equipes. Um torpedo a meia nau emitido pelo enorme zagueiro do Auto Sul foi o único golpe que vazou a guarda das defesas naqueles primeiros 20 minutos, entrando à direita.
Perto do final, o grande lance do primeiro tempo. Sem gol, sem bola, sem jogo. Um desentendimento banal entre o goleiro do Auto Sul e o leve avante do CSKA. Tumulto, entram os reservas dos dois times em quadra. Depois de alguns minutos de empurrões e caras feias, tudo apenas muito barulho por nada, o clima abre e o goleiro e o avante se cumprimentam na pequena área do Auto Sul. Tudo bem entre eles, mas não entre eles e o juiz, que saca o terminal cartão vermelho para ambos, no mesmo instante em que todos pensavam que tudo passaria em branco. A vida é assim, às vezes pensamos que estamos seguros e, quando vimos, chega um juiz algoz com o cartão vermelho em suas garras. Recomeça a celeuma, agora sim, um pandemônio daqueles, principalmente por parte do Auto Sul.
O problema é que o avante do CSKA é bom, mas plenamente substituível. Já o goleiro do Auto Sul...
O cara simplesmente é o melhor goleiro do campeonato. E a loucura dos seus colegas de time foi no mesmo nível da perda. Um dirigente e um reserva acuaram o juiz e acho que só não bateram nele porque a segurança estava alerta e impediu.
Imaginem o goleiro: baixo, gordinho, entroncado, porte de frangueiro e aspecto de pinguço. O apelido diz tudo: Tatu. Mas, assim como no caso do craque do Sede Zero, uma aparência que engana. Uma viga mestra, um baluarte do Auto Sul. Sem favor ou exagero literário nenhum, o Paredão do nome da equipe. E o “paredão” foi colocado abaixo por um reles cartão que, tinha de ser dessa cor, vermelho.
Após um longo tumulto, o primeiro tempo continuou sem nada a constar até o final, a não ser o fato de que as equipes jogaram os dois minutos que restavam com quatro jogadores em quadra e que o goleiro reserva do Auto Sul entrou.
Desconfio o que se passou pela cabeça desse cara naquele momento. Imagina, entrar numa fogueira dessas substituindo o “paredão” do time, o goleiro do campeonato? Os seus colegas de equipe vinham todos e o abraçavam, não sei se para dar-lhe força devido a responsa que assumia, ou para aplacarem o próprio nervosismo pela falta que o “paredão” faria.
Era um gordinho um pouco mais alto que o titular, mas bem mais gordinho. Pensei comigo: Esse cara deve ser muito bom, um lutador de sumô implacável sob a trave. Só pode né? Se você tem o Danrlei no time, o reserva dele tem de ser o Victor! Meu cunhado falou que ele não era bom. Buenas, não sei se só pra contrariá-lo, mas o goleiro sumô resolver atacar muito bem naquela noite.
A verdade é que o ágil e felino CSKA se jogou voraz como um predador por sobre o Auto Sul, tal qual um gato sobre o passarinho. Vejam só, os caras sentiram o golpe da expulsão do goleiro!
Aquilo durou os dois minutos em que as equipes ficaram 4 contra 4 as e por uns 10 minutos do segundo tempo, se não estou enganado (estou escrevendo esse texto na segunda-feira pela tarde, só de memória). Daí uma bola rápida veio da direita para a esquerda e encontrou um sanguinário avante do CSKA junto ao segundo pau (no caso, segundo ferro). 1x1.
O Auto Sul meio que recomeçou a jogar. Uma falta pela direita de ataque. Lá veio o negão torpedeiro da zaga de novo. A barreira formou e todo mundo se preparou pra ver qual seria a jogada trabalhada. Que nada, outro torpedo à meia nau direto pro gol, no canto direito. Mas como? O CSKA me toma um gol direto de falta, furando barreira e goleiro posicionados? Não acredito! Se fosse um time murrinha, tudo bem. Mas em se tratando de um time de qualidade... E esse gol seria a bomba de efeito retardado que poria a pique o CSKA...
Não sei se por vergonha ou por orgulho ferido, mas o fato é que o CSKA empatou logo em seguida. Praticamente a mesma jogada anterior. Só que agora a bola saiu da esquerda pra ponta direita e o cara cruzou ela rápido novamente pra direita onde, novamente no segundo pau, o atacante bumba!, agora de cabeça. Em defesa do goleiro de sumô, digo que, na minha opinião, o “paredão” não teria defendido nenhuma das bolas que resultaram em gols do CSKA. Foram tiros à queima roupa, rápidos e incisivos.
E o CSKA vá pressionar de novo. O goleiro de sumô fazendo boas defesas, evitando, em dois chutes pelo menos, o prazer pleno e máximo do adversário.
O torpedeiro (em ação na foto abaixo) ainda deu outro chute em nova falta pela direita. E dessa vez eu vi a bola passar entre o segundo e o terceiro homem pela esquerda da barreira, desviar um pouco, bater pelo lado externo do poste e ir pra fora. Quase outro mico do CSKA, quase outra bola que entra direto.
Daí, faltando 37 segundos para o final, outro quebra pau. Isso mesmo, a 37 segundos, outro quebra pau. Esse, antológico, de televisão, envolvendo quadra e arquibancada. Na lateral de ataque do CSKA, desentendimento entre o boleirão deles e um zagueiro do Auto Sul. O juiz chega. O cara do Auto dá um tapinha tão de leve na orelha do outro que o juiz não vê, mas o tapa do cara do CSKA saltou aos seus olhos e... vermelho pra ele, perdeu playboy. Aquele fuzuê todo na quadra e o pau come também na arquibancada, junto a grade de proteção e a rede lateral que divide ambas. Ah, eu tinha esquecido de dizer que o Ginásio do Sindimetal só tem arquibancada em um dos lados, à direita de quem entra, e atrás de uma goleira (a que fica próxima da entrada), onde cabem umas 700 pessoas confortavelmente sentadas, calculo.
A arquibancada maior é a lateral, obviamente, e ela é dividida ao meio por uma entrada que dá para os vestiários e banheiros. O pedaço da arquibancada lateral que fica em direção aos fundos do ginásio é onde sempre ocorrem as brigas, historicamente. Domingo passado tinha sido lá também, onde o gordo zagueiro do Kayamba teria dado uma capacetada num adversário. Como não há divisão de torcidas, ficam todos misturados e, daí, imaginem.
Eu sempre chego cedo e sento no meio, em cima, do lado da divisão que fica próximo a entrada do ginásio, junto a grade de segurança para o público situada na entrada para os vestiários que divide a arquibancada (foto abaixo). Ali raramente dá algo e, de quebra, dá para assistir aos tumultos de camarote.
O pau começou a comer para valer na torcida (foto abaixo), nem dava pra ver como tinha iniciado ou quem tava dando em quem. Só via o mesmo dirigente e o mesmo reserva careca do Auto Sul de alguma forma envolvidos na coisa, junto com o “paredão”, pois todos estavam expulsos de quadra e foram pra arquibancada.
O jogador do CSKA que tinha sido expulso havia saído da quadra e estava junto ao corredor das arquibancadas. Voltou pra quadra quando viu que a coisa tava feia. Vai que alguém via ele ali de bobeira e resolvesse... Bom senso do cara, mas achei isso coisa de jogador do Inter. E esse era outro de que eu ia falar e dizer que o Grêmio tem de contratar. Magrão alto, moreno, muito bom de bola, o melhor do CSKA. Um dos chutes que o goleiro de sumô tirou foi dele, desferido pela direita de ataque, no canto esquerdo da goleira, alto. Defesaça do “paredão reserva”.
Era um empurra-empurra daqueles, com os seguranças lá apartando e segurando gente.
Olha, foi um fiasco, uns 20 minutos disso. Ainda bem que não vi ninguém quebrado ou sangrando. Até porque a coisa, pelo que vi, terminou na saída dos fundos do ginásio, já fora do mesmo. E de onde eu tava eu não ia sair.
Enquanto a coisa rolava, eu vi que tinha um cara de cabelo grande trançado, de boné, com uma camisa preta da comissão técnica do Auto Sul escrito “Everton”, metido na celeuma. Parecia o Everton que tinha jogado no Grêmio e no Inter. “E é ele mesmo” – informou o meu cunhado. Tu vê só, o cara de férias (disputou o último brasileiro pelo Coritiba) e aqui em Charqueadas, metido em rolo de torcida no Ginásio do Sindimetal. Olha, o cara deve ser muito gente fina pra se enfiar numa coisa dessas. Ainda mais correndo o risco de tomar uma capacetada e ficar meio abobado, comprometendo sua carreira de prováveis centenas de milhares de reais anuais. Deve ser muito camarada dos caras do Auto Sul. “A mulher dele é daqui de Charqueadas, tem uma tatuagem dele no ombro” – informa mais uma vez meu enciclopédico cunhado. Realmente, uns caras e uma mulher o retiravam da briga em direção ao espaço dos vestiários. Certos eles, esses profissionais são muito visados, alguém podia processar ele por uma besteira só pra arrumar uns trocos.
(Gosto do futebol desse Everton, ele já jogou no Caxias, no Bahia. No Grêmio lembro bem dele, foi lançado pelo Mano Menezes – que tem irmã aqui em Charqueadas – em 2007. No último jogo da primeira fase da Libertadores, no Olímpico, o Grêmio precisava vencer para seguir adiante. Já estava pelo fim do jogo, no segundo tempo e nada. Eu estava olhando o jogo no Bar Paredão daqui de Charqueadas, que é o mesmo que patrocina o Auto Sul. Numa cobrança de falta pela esquerda, a bola vem até o segundo pau, na direita, e o Everton, que havia entrado durante o jogo, sobe de cabeça e encesta. Não esqueço, pois foi a última Libertadores em que o Grêmio chegou na final, onde levou uma coça do Boca Juniors e ficou com o vice. O Diego Souza, hoje no Vasco, jogava naquele time.)
Nos fundos do ginásio, onde a briga terminou, tem um palco grande usado para shows e eventos. As pessoas em dias de jogo sentam ali com cadeiras de praia. Na hora da briga foi aquele corre-corre de gente com cadeira nas mãos e com crianças saindo pelo lado da quadra para escapar do tumulto.
Terminado a coisa, todo mundo já calmo e de bem (não sei porque brigam tanto se depois ficam todos numa boa de novo), o jogo recomeça para os últimos 37 segundos onde o CSKA tinha tudo para tomar um gol, visto estar com apenas quatro jogadores em quadra. A bola sai da lateral com eles. O goleiro vai pra linha para tentar uma jogada de ataque. O Auto Sul recupera a bola e chuta a gol. O goleiro, feito um gato, salta e salva pra escanteio. Bom esse cara, entrou no segundo tempo. Acho ele melhor que o que sai jogando, ele era o titular ano passado, defendeu um monte na final, mas o time do Power G de 2010 era muito bom e levou o título.
O Auto Sul cobra o escanteio, mas o CSKA recupera a bola e daí outro lance bisonho acontece no meio campo. Um jogador do Auto Sul, bom de bola, baixinho, agitado, nervoso, reclamão e com uma aparência de quem só é chamado pela mãe e pela vó de “meu lindo”, dá uma entrada sem pai nem mãe num adversário e... é expulso! E nesse ponto só faltavam 20 segundos de jogo. Quatro contra quatro de novo. Nesses momentos, 20 segundos são uma eternidade. Um gol e a morte é certa.
O Auto Sul segura o ímpeto do CSKA e o juiz apita o final do jogo. O pessoal do Auto Sul invade a quadra e comemora. “Ué, mas o jogo terminou empatado, não vai ter prorrogação?” – pergunto. Novamente meu cunhado informa: o empate deu a vaga pra final pro Auto Sul, pois teve melhor campanha na primeira fase. Ah tá, explicada a festa.
Um avante do Auto Sul sai do banco rodando a camisa nas mãos de faceiro pelo resultado. Ele é claro, razoavelmente acima do peso ideal para um desportista, alto - regula de tamanho com o “torpedeiro”. O meu cunhado é entusiasta do futebol dele. O cara é boleiro mesmo (é dos que iniciam jogando no Auto Sul), mas, sinceramente, eu não achei tudo isso que disse o meu cunhado. Ele contrapõe que o cara não está na melhor forma dele, que já teve a sua grande fase e que gastava a bola. Bom, se o meu cunhado mais novo (que ainda vai ser um grande treinador ou comentarista esportivo e entende muito mais de futebol que eu) disse, tá dito, acredito.
Mas eu citei ele aqui pra dizer que o cara tava com muita vontade de vencer. Tudo bem, todo mundo ali estava, nos dos times, onde não havia nenhum mentiroso, todos sabiam jogar bola direitinho. Só que eu acho que o cara tava com muita vontade mesmo, foi minha impressão. Ele se machucou ainda no primeiro tempo (se outra vez não me engano), caiu na lateral da quadra próximo ao banco de reservas do seu time e machucou o ombro ou o braço. Saiu se arrastando de quadra e ficou esticado lá fora. “Esse não volta mais” – pensei. Levantaram-no, veio até uma mulher no banco tratar ele.
Pois o cara voltou, jogando no sacrifício, “colando” o braço junto ao corpo. Lembrou o Beckenbauer na Copa em 1974.
Olha, esse cara eu não levaria pro Grêmio, ele tem bola mas acho que passou do ponto, entretanto eu queria trazer os jogadores do Grêmio pra verem ele em quadra. Não é porque o cara é boleiro que tem de jogar com displicência. Se o Douglas entendesse isso... Nem estaria no Grêmio, mas no Barcelona!
Final de rodada, agora é tudo domingo que vem, mais quatro jogos, as finais e as disputas de terceiro e quarto lugar de ambas as séries.
Saio do ginásio entre os últimos. Sigo pela José Athanasio até o Bar Paredão, bem no centro da cidade, no cruzamento das avenidas 1º de Maio e Bento Gonçalves. Sento numa mesa na calcada pra tomar uma cerveja antes de ir pra casa e dar uma olhada no fim de movimento de domingo. Tem um monte de gente que vi lá no Ginásio ali também. Reparo que chega um pessoal do CSKA ali, com suas mulheres, namoradas, sei lá. Vejam só, vieram relaxar depois da derrota no bar que patrocina o seu eu adversário. Não vi ninguém do Auto Sul lá comemorando a vitória, por outro lado. Gozado né?