Materazzi X Zidane
Para um jogador de futebol integrar o grupo de 23 convocados de uma seleção nacional para a Copa do Mundo é um grande feito. Ser titular é a glória. Marco Materazzi, nascido em 19.08.1973 em Lecce, Itália, começou a Copa na reserva da seleção italiana.
Para um jogador, chegar a disputar e vencer uma final de Copa do Mundo é a glória suprema. Isso Materazzi conseguiu, devido ao impedimento do zagueiro titular da Itália para o jogo contra a França. E, então, foi o nome do jogo!
Materazzi envolveu-se em todos os lances capitais da final entre França X Itália.
No início do jogo cometeu o pênalti sobre o meia Malouda, da França. Zinedine Zidane, filho de imigrantes argelinos nascido em 23.06.1972 em Marselha, França, cobrou a penalidade máxima do futebol com a suprema categoria inerente aos gênios do “esporte bretão”, anotando 1 X 0 para os “bleus”.
Aos 19 minutos escanteio para a Itália. Materazzi sobe de cabeça, supera o zagueiro Vieira (ambos com 1,93m de altura) e empata a partida para a “azzurra”. Tudo azul no jogo entre os azuis da Copa! É a glória mais que suprema para Materazzi!
E assim seguiu a disputa, até chegarmos aos 7 minutos do segundo tempo da prorrogação. Neste momento, Materazzi ligou o seu nome de maneira inseparável ao do melhor jogador da Copa, Zidane. As duas biografias e destinos se cruzaram: o grande franco-argelino Zidane, o gênio da bola, e o zagueiro italiano Materazzi.
Num lance ocorrido na grande área italiana, Materazzi marca Zidane, agarrando-o. Estranham-se. A bola sai da área e os dois seguem andando em direção ao meio campo. Materazzi ofende Zidane, que foi jogador da Juventus de 1996 a 2001 e entende perfeitamente o idioma italiano. Zidane se volta para a direção de Materazzi e desfecha uma violenta cabeçada em seu peito. O italiano cai. Conseguiu! Cavou a expulsão de Zidane e foi bem sucedido! Tirou o gênio francês da final! Pronto, seus nomes estarão interligados para sempre (enquanto o para sempre durar, claro) na história das copas e do futebol mundial.
Melhor, Materazzi terá o seu nome ligado para sempre ao do grande Zinedine Zidane, o melhor jogador da Copa, o gênio do futebol mundial de sua época pós-Maradona e pré-Ronaldinho Gaúcho (quem sabe?). Talvez mais que o gol de empate que assinalou, Materazzi vai ser lembrado pelo lance com Zidane. Até porque o jogo foi definido na cobrança de pênaltis, após a prorrogação.
A imprensa e a mídia culparam e recriminaram a atitude de Zidane. Com certeza a violência é condenável. Mas quem atira a primeira pedra? Quem nunca respondeu a uma provocação ou ofensa moral com violência, num momento de grande tensão, quando os nervos estão a flor da pele? Nunca deu um tapa? Um empurrão? Não é o certo, mas é uma das reações humanas. Zidane é humano!
Julgá-lo sentado confortavelmente em frente a um aparelho de TV é fácil. Mas qual seria a sua reação se, como ele, estivesse no olho do furacão?
A minha reação? Bem, acho que teria batido boca, parado em frente ao cara, olhado feio e empurrado. Acho. Nunca se sabe. Vai de como estiver o seu estado de espírito no momento. Ainda mais numa situação de pouca diferença física (Materazzi – 1.93m e 92kg; Zidane – 1,85m e 78 kg), quando o adversário não está armado.
Cada qual tem a sua idiossincrasia. A de Zidane, conhecido temperamental, é a de não levar desaforo pra casa. Logo, viveu “a dor e a delícia de ser o que é”, como disse Caetano Veloso na música. Zidane não bateu boca, não retribuiu a ofensa nem desrespeitou moralmente Materazzi. Preferiu a ação física. Não é o que, por exemplo, Gandhi faria. Mas, nessa caso, estamos falando de um espírito elevado. Zidane é um gênio futebolístico, mas um ser humano trivial.
Materazzi foi provocador, malandro, desrespeitoso e sem ética. Não tratou Zidane como os brasileiros, com respeito e reverência, até porque não atua na Espanha ao lado do craque. Foi zagueiro às antigas. Daqueles que o treinador mandava ofender o atacante, descobrir as questões delicadas de sua vida pessoal e jogá-las na cara, desestabilizando-o emocionalmente. Quem já jogou futebol a alguns anos atrás sabe que isso não é nada. Tem também coisas como dar cotoveladas de leve nas costelas, ficar chutando o calcanhar por trás e, inclusive, a suprema baixaria, enfiar o dedo no ânus do atacante. Claro, essas coisas não se vêem mais no futebol de alto nível. Mas as provocações verbais, ofensivas a moral e a honra pessoal, vimos na final da Copa, por Materazzi. E, com certeza, premeditado. Dizem até que é uma richa antiga, dos tempos que Zidane jogava na Itália e enfrentava Materazzi, que atuou pelo Perugia e defende, desde 2001, a Internazionale.
Ele ofendeu Zidane, deixou-se atingir e atirou-se teatralmente ao gramado, como manda o figurino. Foi bem sucedido, tirou Zidane da partida. O que disse? Ofendeu a irmã? Comentário racista? Palavrão? Todos? Não importa. Mas que acertou em cheio o emocional de Zidane, ah, acertou.
O juiz e o bandeirinha não viram o lance. Quem teria visto foi o árbitro reserva. Dizem que viu na repetição da imagem no monitor a que tem acesso. Se foi assim, a expulsão foi incorreta.
Ora, o futebol é isso, humano, aceita o erro humano do juiz na interpretação e aplicação da regra e, depois que este apitou, não há volta. Não pode desmarcar o pênalti que não houve, a falta inexistente, o escanteio equivocado ou o gol em impedimento que foi validado. O juiz não viu, no momento em que aconteceu, não existe, não tem volta. Se o juiz e seus auxiliares não viram na hora, a cabeçada de Zidane não existiu para o jogo. Mesmo tendo existindo! É a mágica do futebol! A mágica de sua condição humana! Errar é humano!
Mas o árbitro reserva diz o contrário, que viu a cabeçada no momento em que ela ocorreu. Então a expulsão se justifica e foi correta. Se olhou a TV ou não, essa é uma dúvida que vai ficar no folclore das hipóteses mágicas do futebol, assim como as suspeitas eternas de que o Brasil perca jogos decisivos devido a CBF tê-los vendido, e não porque não jogou nada e pelo adversário ter sido superior. A não ser que o árbitro mude a sua versão, o que eu duvido que aconteça, seja qual for a verdade.
Materazzi conseguiu expulsar Zidane, é o que conta. A Itália foi campeã mundial, é o que vai para a história.
A partida foi definida nas cobranças de pênaltis. Lá estava Materazzi novamente. Foi o segundo italiano a bater e converteu. Ah, pensar que não fosse o impedimento do zagueiro titular e ele não teria disputado a final e tampouco entrado para a história! Destino? Providência divina? Acaso? Estrela? Vai saber!
A questão é: Materazzi saiu do anonimato da reserva para a história do futebol italiano e mundial. E vai, com certeza, ganhar muito dinheiro depois disso! Futebol é dinheiro, não esqueçamos!
Zidane já estava com o seu lugar na história do futebol garantido antes da Copa. Nesta, apenas fechou sua carreira com chave de ouro e carimbou seu “passaporte” para a posteridade. Zidane, campeão mundial de 1998, estrela maior dos galácticos do Real Madrid, duas vezes algoz da temível seleção brasileira, grande craque de seu tempo e o maior do futebol francês até aqui, superando Michel Platini e Just Fontaine. Comandante da mais vitoriosa geração do futebol de seu país, com o inédito título da Copa de 1998 e o 2º lugar de 2006. Feitos únicos, para constar na biografia de poucos atletas.
Podemos concluir este texto assim: Materazzi foi o nome da final; Zidane, o da Copa. De fato e de direito, pois foi reconhecido pela FIFA, apesar da cabeçada, acintosa ao "fair play".
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 11/07/2006
Alterado em 28/12/2006