João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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Textos
Nós sabemos o que fizemos no verão de 1983

A vida tinha separado aqueles amigos de infância. Alguns moravam ainda na mesma cidade, outros haviam ido embora para capital, para outros estados, para outros países. Mas o laço de intimidade que os unia era muito forte e seguidamente se encontravam por acaso. Sempre, nessas ocasiões, falavam em se reunir um dia para lembrar os velhos tempos.
Todos estavam na faixa dos 35, 40 anos. Foram amigos íntimos dos 10 até os 18 anos de idade, momento em que alguns começaram a tomar outros rumos na vida. Conviveram diariamente na fase de deixar de ser criança, virar adolescente e tornar-se homem. Compartilharam jogos de bolita, de taco, futebol, brigas, acampamentos, reuniões dançantes, descoberta do sexo e tudo mais que cercava o mundo daquela faixa etária no início da década de 1980. Depois de anos de tentativas, conseguiram conciliar seus horários profissionais e pessoais e realizaram um churrasco num sábado à noite. Conseguiram reunir cinco amigos e suas famílias. Alguns não tiveram como vir.
Estavam em volta da churrasqueira, vá cerveja, enquanto as esposas e filhos permaneciam no salão conversando e brincando. No aparelho de CD muito heavy metal e rock nacional dos anos oitenta, num verdadeiro revival. Nesse clima, já emocionados pelo efeito do álcool, a conversa evoluiu de lembranças amenas de presepadas e fatos de adolescência para o das conquistas sexuais.
- E aí pessoal, lembram da Diocélia? – perguntou Magrão.
- Claro – disse Flávio. A gente “brincou” com ela na casa do Carlinhos e do Ivã aquela vez que o pai e a mãe deles foram pra Taquari. Puxa vida, que rolo.
- Vocês lembram que o Carlinhos pegou a calcinha dela e levou para a rua, porque ela não “queria” e disse que ia embora. Foi aquele griteiro. E a vizinhança toda olhando.
- Eu sei, eu vi lá do campinho o fuzuê na casa de vocês – disse Adão. Que fiasco, cara!
- A dona Maria depois cagüetou a gente pro pai e ele deu um pau em nós – disse Ivan. Mas valeu a pena, ah, ah, ah, ah, ah.
- E vocês lembram do Coquinho? Aquela sim foi mundial! Podia ter dado uma incomodação daquelas – disse Adão.
- Não sei de nada – disse Flávio. Nessa eu não tava. O guri morava do lado da casa do Carlinhos.
- Bah, é mesmo, essa foi braba mesmo – lembrou Carlinhos. A gente tinha uns 13, 14 anos, né? Acho que foi em... 81, 82?
- Não, foi 83. Fevereiro, logo depois do carnaval. Lembro bem – afirmou Adão. Até porque não esqueço que o Jair tava nessa. Se lembram o que ele fez com o cabo de vassoura?
- É, aquilo foi demais, foi sacanagem. O Jair ta lá em Portugal, deve estar com as orelhas queimando – disse Carlinhos.
- Eu moro perto da casa do Coquinho hoje, lá em Canoas – disse Adão. Ele tá um cara grande, namora uma mina tri gata. Eu vejo ele e morro de vergonha. Mas que se dane! Passou, passou. Já era.
Esse lado da conversa Ivan e Magrão ouviam quietos e com expressão incômoda. O tempo passou, a vida mudou. Ivan freqüentava uma Igreja, Magrão era vereador na cidade. Para eles, o assunto não suscitava lembranças agradáveis, visto que inconvenientes para a vida presente. Mas Flávio não perdoou.
- E vocês aí tão quietos porque? Lembrando do Coquinho?
- Pô, acho que não tem nada a ver essa conversa – disse Magrão. A minha mulher tá aí.
- Ué, se ela pode saber da Diocélia, porque não do Coquinho? – interveio Adão.
- Também acho que não tem nada a ver. É inadequado – endossou Ivan.
- Quando tu e o Jair tavam lá com o cabo de vassoura não era inadequado – gozou Carlinhos.
Os três riram. Ivã e Magrão emburraram.
- Se continuar essa conversa eu vou embora – ralhou Magrão.
- O que é isso, não sei porque tu se incomodou cara – retrucou Adão. Pior eu que moro perto do Coquinho e vejo ele seguido. E isso que eu não fiz nem a metade do que tu fez Magrão.
- Pois tchau gente, vou embora – disse Magrão, entrando no salão para pegar a esposa.
- Cara babaca – observou Carlinhos, contrariado. Tem problema de falar da vida dele. Ora, isso é comum na vida de homem. O meu pai, por exemplo, sempre conta nas festas de quando era guri em São Sepé e “brincava” com as cabritas e as éguas. Não sei porque ficou assim. Bobalhão. Nada a ver.
Ivan se quietou. Adão e Flávio se chatearam. Estragou a festa. O verão de 83 não devia ter sido lembrado.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 25/04/2006
Alterado em 25/04/2006
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