João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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Textos
Violões
30.01.07

I - Ontem à noite sonhei com o meu primeiro violão. Ele estava da mesma forma que eu me lembro dele, mas com o tampo e as laterais apodrecidas e descascando.
Acordei. Se os violões possuem alma e guardam lembrança, ele com certeza estava pensando em mim. Deve estar em apuros! Ou será que é mágoa, por eu tê-lo doado a um conhecido que não possuía recursos para comprar um instrumento?
Confesso que, um tempo depois, me arrependi da boa ação. Ora, poderia ter sido egoísta e o guardado de recordação. Mas a intenção foi boa e o coração leve. Até porque havia comprado um outro, novo, Di Giorgio. Nem lembro mais da marca do meu primeiro.

II - Contudo, lembro do dia em que ele entrou lá em casa. Minha mãe fez licenciatura em música na Faculdade Palestrina, em Porto Alegre. No final da década de setenta, início dos anos oitenta, por aí, ela apareceu com ele para minha irmã. Fiquei com ciúme.
Ele era pequeno, caixa fina, em verniz escuro, escala preta, encordoamento de aço e com as tarrachas fixadas no headstock na vertical, tipo os violões folk e as guitarras Les Paul, e não na horizontal, como é o comum nos violões.
Veio para fazer companhia ao Di Giorgio grandão da minha mãe, profissional, cordas de nylon pretas. Esse era bem badalado na época. Tinha um disco do Gilberto Gil lá em casa em que ele aparecia numa foto dos anos 70 improvisando com o Jards Macalé, usando um violão do mesmo modelo.
O violãozinho escuro ficou atirado lá por casa. Minha irmã até cantava direitinho (hoje participa de coral), mas não tinha vocação, interesse ou paciência para aprender violão.

III - Em seguida nos mudamos e o "rejeitado" veio junto. Lá pelos meus 14 anos comecei a ouvir rock e me interessei por aprender guitarra. Foi uma fissura!
Sempre gostei de violão, mas como era desafinado para cantar, não me sentia estimulado para aprender. Nem minha família me incentivava. Vez por outra, encantado, pegava o Di Giorgio da mãe para bicar batendo nas cordas, cheio de reverência ao belo e mágico objeto. Admirava as pessoas que conseguiam tirar música deles. “Como conseguem” – pensava.
Pegava-o, tocava corda por corda e, meu maior passatempo, roçava a ponta da unha sobre o bordão mais grosso. A medida em que passava do centro para as extremidades da corda, saía um legal que ia variando o timbre. Ficava horas fazendo isso, fascinado, inventando ritmos. Lembro como se fosse hoje.

Como eu ia dizendo, eu, adolescente, ouvia muito rock, muita guitarra. Daí a coisa foi muito forte e eu me apropriei do rejeitado. Até porque o violão da minha mãe estava com o headstock quebrado (anos depois descobri que isso acontecia com violões daquele modelo, devido a fragilidade). O que eu gostei no "rejeitado" é que ele lembrava vagamente uma Les Paul, tipo as que eu via o Jimmy Page, do Led Zeppelin, tocando.

Nessa época, lá por 1984, eu estava estudando na escola de 2º Grau da Brigada Militar, em Porto Alegre, e parava na casa de um primo da minha mãe. Lá se foi o violãozinho comigo. Tocava no banheiro, no ônibus, em tudo o que era lugar. Virei um baita pentelho.
Uns colegas meus, que tinham uma banda (lembro que um deles tinha uma guitarra Gianinni Stratosonic branca), ensinaram-me a linha de baixo da música Passa Tempo, do Camisa de Vênus. Pra quê! Tocava aquilo todo o dia, o dia todo. Meus pais brigavam comigo nos finais de semana, pedindo para eu para eu parar, pois eles não agüentavam ouvir aquela melodia repetida a exaustão, na corda mais aguda, como se fosse um “solinho”.

IV - Assim eu comecei. Para incrementar o som do meu “violão-guitarra”, comprei dois ganchos-parafusos e coloquei-os no início do braço e na parte de traz do corpo, para depois fixar ali a alça de uma sacola da minha mãe. Bom, agora eu podia tocá-lo em pé! E, claro, isso influenciava no som, conforme meu pensamento.
Depois comprei um captador de contato, que era fixado no tampo com uma massinha cinza, e uma caixa amplificada de 20 watts, marca Frahm.

Um dia, consegui tirar de ouvido o riff de Whole Lotta Love, do Led Zeppelin, no bordão mi (nem ficava no tom original da música, mas gostei mais assim). Foi meio por acaso, tava tocando e vi que a frase que fizera ficou igual. Mexendo na caixa, descobri que deixando o agudo na metade e abrindo todo o grave e o volume, o som saía distorcido, parecendo uma guitarra (o único inconveniente era a fonia). Barbaridade, como aumentou a tortura de meus pais e... vizinhos!

Daí para frente fui indo sozinho, estudando pelos livros de música da minha mãe (santos livrinhos, fizeram a diferença!), com as revistinhas Violão & Guitarra (Vigu) com as músicas cifradas, perguntando coisas para quem já tocava e, o grande lance, indo a shows de rock e ficando na frente do palco, bem embaixo dos guitarristas, prestando bastante atenção para, ao chegar em casa, na madrugada, imitar no violãozinho.
Um pouco por essa época eu “descobri” os harmônicos no violão. Fui abafar com um dedo a 2ª corda (si) na 12ª casa e saiu aquele som diferente, legal. Repeti a saiu de novo. Puxa, fiquei maluco. Começei a procurar aquele som por todas as cordas. Me senti o máximo! Um Einstein da guitarra! A gurizada que tocava violão em Charquedadas e que eu tinha contato não conhecia os harmônicos, só sabiam as “posições” (acordes) e tiravam solinhos de ouvido. Santa ingenuidade a minha.
Claro, quando soube em seguida que minha descoberta era uma técnica pra lá de manjada, foi uma decepção. Restou o orgulho da descoberta por conta própria.

Outra coisa que eu aprendi nesse período, foram os chamadas “bends” (na época não sabia o nome, fui saber bem depois). Um cara da polícia civil que era casado com uma colega de clube de mães da minha mãe, já tinha tocado em banda de rock e, numa festinha lá em casa, pegou o meu violãozinho pra tocar. Conversando com ele (que hoje é promotor e nunca mais o vi), soube da sua experiência e ele mostrou-me a técnica. Fiquei bem impressionado. Firmava a corda com o dedo e a levantava para o alto da escala, atingindo as notas mais altas sem mudar o dedo de traste. Gozado que os “bends” ou os harmônicos eu não havia percebido nos shows, talvez por não conhecer e pela distância que eu ficava dos guitarristas.
Hoje a gurizada tem Internet, revistas como a Cover Guitarra e Guitar Player, tem muita tablatura e informação. Na década de oitenta não havia essa facilidade. Era tirar de ouvido ou ver os caras fazendo e copiar. No máximo tinha, como já falei, as Vigu, com as cifras. Hoje as revistas trazem até os suspiros que o guitarrista dá na música!

Eu também fazia, e depois aprendi que era prática institucionalizada entre os guitarristas, de abaixar a afinação em meio tom para ficar mais macia a tocabilidade. Eu, na verdade, abaixava o violão um tom inteiro, quando era de aço.
Tudo isso no meu violãozinho "rejeitado", o meu "violão-guitarra". Que companheiro ele. Lembro ainda do primeiro “solinho” que inventei, usando ele, em cima de uma base de Em e Am. Da vez que eu tirei “em cima” um pedaço do solo de Starway to Heavan. Bah, dá até saudade.

V - Depois de um tempo eu resolvi arrumar o Di Giorgio da minha mãe. Vi que dava para encaixar a parte quebrada e, fazendo um buraco, colocar um parafuso com arruela para fixá-la. Ficou uma gambiarra daquelas, mas funcionou. Ele tinha um som grande, gordo, encorpado, bem definido e cheio de graves. Claro, só não afinava mais como antigamente, devido ao conserto enjambrado.
Passei a usá-lo com certa freqüência, até que, num dia de fúria, em que ele não afinava de jeito nenhum, joguei-o contra a parede. Daí babaus. Teve de ir pro lixo. Sempre fui um cara meio impulsivo. Se fosse hoje, eu o teria levado para um luthier e estaria resolvido. Mas, como disse Ortega y Gasset, o homem é ele e a sua circunstância. Acrescento: e sua falta de cérebro. Que besta eu fui.

Na época, como havia o "rejeitado", não liguei. Até que comprei a minha primeira guitarra. Mas essa não é uma história para contar aqui.
Como eu ia dizendo lá no início do texto, comprei um Di Giorgio, modelo inferior ao de minha mãe. Sinceramente, não era muito bom e não me deu muitas alegrias. Está lá na casa do meu cunhado, esposo da minha irmã, esquecido no armário da garagem. Mas foi por ter comprado ele que eu dei o "rejeitado" pro cara aquele, num arroubo de altruísmo. E, assim como nem lembro do nome do cara, não lembro da marca do "rejeitado".

Passei a tocar também num violão de aço de um amigo, bonzinho mas simples, igualmente nem lembro da marca. Recordo que toquei com ele acompanhando um músico local num festival na minha cidade. Ele tinha um adesivo azul, bem chamativo, com motivo evangélico, pois a família do Baldo era crente.

VI - Mas era o final da década de oitenta, de Van Halen e de Yngwie Malsmsteen, e eu queria ser o guitarrista mais rápido de Charqueadas. Como praticava! Horas e horas a fio subindo e descendo escalas, buscando acordes estrambólicos e power chords matadores, usando um pedal de heavy metal e um super distorcedor ligados em linha a uma caixa de 100 watts com trêmulo. Mas bah tchê, foi minha fase Jimmy Hendrix (claro, guardada a enorme desproporção, eh eh eh!) Tinha orgulho eu tinha da minha velocidade na digitação. Quando a gente é guri vive dessas bobagens.

VII - Depois, anos 90, trabalho, faculdade, militância política, larguei a guitarra e o violão. Na verdade, fiquei sem violão um bom tempo. Até que o Joceli, outro amigo, me deu um violão Giannini Estudo, cordas de nylon. Usava em casa e nas festinhas de família, despretenciosamente. Estudava nele um pouco de técnica e teoria, de leve. Simples, mas com bom timbre, boa afinação. Tenho até hoje. Está com minha filha para ela aprender a tocar.

VIII - Em 2001, passando pela escola infantil da minha filha, vi por lá atirado um violão folk Giannini, profissional, com uma parte do corpo quebrada e atirado num canto. Acabei perguntando de quem era e comprei do dono por 70 reais (hoje toco com o cara!).
É um violão legal, braço fino, corpo colado no braço na 15ª casa (em grande parte dos violões é na 12ª), madeira boa, timbre legal. Passou a ser o meu violão principal.
Tenho ele até hoje, embora não o use mais devido a afinação estar levemente comprometida. Levei-o num luthier em Porto Alegre, reformei, troquei os trastes, coloquei captação ativa. Conhecendo-o, sabendo onde e o que tocar nele, serve como violão solo. Em alguns acordes ele “mente”. Emprestei-o pro meu cunhado mais novo, irmão da minha esposa.

X - Em 2003 passei a tocar novamente, de maneira “pretenciosa”. Levei a minha guitarra velha para um luthier dar uma geral, trocar braço, captação, ferragens. Comprei também uma guitarra semi-acústica da Condor.
No luthier vi um Di Giorgio num canto. Igualzinho o da minha mãe, só que menor (idêntico ao da foto acima). Era um modelo Estudante nº 18, fabricado em 1974. Ele me disse que tinha reformado-o havia dois anos, mas o dono não apareceu mais para buscar. Ele chegou com o headstock quebrado, da mesma forma que o da minha mãe. Peguei e dei uma tocada nele. Puxa, tinha um timbre e uma tocabilidade excelente para um violão daquela qualidade. O luthier havia trabalhado bem. Afinação perfeita, verniz muito bem conservado, parecia novo. Comprei dado, por 140 reais (na real, minha esposa deu-me de aniversário). É o violão que uso em casa até hoje. Gosto dele. Um pouco descarrego de consciência pesada.

E é isso. Como tenho usado as guitarras nos shows com o Alberto André, músico e compositor daqui, não tenho necessidade imediata de um violão melhor. Mas estou de olho num Talent III da Di Giorgio. Até o fim do ano eu compro. Quem sabe até um violão de dois braços da Rozinni (Ah Page, o nosso primeiro guitar hero a gente não te esquece). Vamos primeiro ver o bicho de perto.



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Acróstico enviado pelo Cláudio Carvalho, no meu aniversário:
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João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 25/06/2008
Alterado em 25/06/2008
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