Fui fechar a janela do quarto devido ao vento frio pelo adiantado da hora e vi as árvores da casa do meu sogro balançando. Já estou aqui desde 21 de março, há 277 dias, sem sair, e pensei que poderia ficar pelo resto da minha vida, com minha esposa, as gatas, a cadela e o cão. A única coisa que falta é um curso d'água passando ao lado ou ao fundo do terreno, uma sanga que fosse. Com isso, seria perfeito. A gente vive bem com muito pouco e em pouco espaço, desde que esteja com o coração e a mente de boa. Água, ar, comida, companhia. Não precisa de muito.
Não sei o que isso revela de mim, sinceramente também não estou preocupado em saber, só sei que é a minha verdade. Sou um homem simples, não muito diferente das gatas e dos cães, esses que vivem o seu tempo todo no meu terreno, na minha casa e parecem estar de boa. As gatas por total opção, os cães porque não posso criar soltos, devido ao movimento de carros na rua. Contudo, os que já criei soltos ficavam pela volta a maior parte do tempo antes de serem atropelados, logo, penso que o Botafogo e a Bela Ponte-Preta fariam o mesmo.
Ficar por aqui, ainda mais hoje em dia, quando podemos comprar tudo o que precisarmos e quisermos sem sair de casa. A pandemia me fez ver isso. Muitas das necessidades que eu tinha sumiram na atual circunstância, logo, deveriam ser circunstânciais, também. O homem é ele e a sua circunstância, disse Ortega Y Gasset. Sabia do que estava falando. No Natal completarei 280 dias de isolamento social; em 14 de janeiro, 300. Sei que não haverá vacina até lá. O mais provável é que eu chegue a 365 dias nessa situação, no mínimo, talvez até a próxima Páscoa. Estarei nessa até o próximo inverno? Não sei.
Vou ler a edição capa dura da Melhoramentos, tradução do Mário Quintana, que é o que vim fazer no quarto. A capa roxa brilha no escuro. Eh eh eh eh eh. Encomendei ele há uns três ou quatro meses com a Lua de Papel, entregaram-me faz uns 15 dias. Estava na quarentena. Por garantia, passei álcool no plástico e, depois de abrir, na capa. Vai que, né?