Já escrevi antes que o último dia em que saí de casa foi 24 de março, a fim de levar um atestado de saúde no serviço. Desde o dia 21 de março estou em isolamento social, em casa, com a esposa, as gatas, o cão e a cadela. Já posso computar uma baixa: uma gata sumiu, sobre a qual também já falei noutra postagem.
Essa é uma das imagens que vejo todo o dia ao acordar. A foto, de 17 de junho de 2008, tirada num dia muito feliz, não teve a imagem alterada. Todavia, a situação é bem outra. Há quase 12 anos, numa manhã fria, saía para gravar com minha mãe a canção Olga (https://www.souzaguerreiro.com/audio.php?cod=18258), em um estúdio na cidade de Triunfo (https://www.souzaguerreiro.com/album.php?ida=3428), por ter sido selecionada para fazer parte do CD Encanto da Terra, promovido pela prefeitura de Charqueadas via Mostra de Música de Charqueadas. Tempo bom.
Por esses dias não há essa cerração que se observa na foto, eles estão amanhecendo claros e com o sol. A névoa que encobre as manhãs é invisível, é o medo e o receio por um vírus que não se enxerga e que pode ser mortal para muitos. Hoje, ao telefone, liguei para a minha mãe para saber como ela estava e perguntei se ela, aos 76 anos, já havia passado por algo igual. "Não" - foi a resposta. Há 12 anos estávamos compartilhando algo muito especial, hoje compartilhamos o distanciamento e a apreensão. "Mas isso tudo passará" - ela garante. Passará mesmo, claro.
Naquele dia 17 de junho de 2008 faltava exatamente uma semana para o meu aniversário, naquele clima de realizações ao completar meus 40 anos redondos e aos 64 dela já completos (ela é de 3 de janeiro). Hoje faltam 64 dias para o Dia de São João e eu me pergunto sobre como estarei pulando a fogueira na dita noite mais longa do ano. Uma sensação inédita em minha vida. Minha mãe está certa, é um momento ímpar para as várias gerações vivas e respirando nesse planeta. Só falo com ela e com o pai por telefone. Minha filha veio aqui no pátio de minha casa umas três vezes. Meu cunhado mais novo vem aqui ao lado, na casa dos pais dele, seguido. Duas vezes veio com a esposa e o filho. Esperou 15 dias até aparecer, para garantir que não passaria nada para os pais. Não saiu de casa, ele. Certo dia, pela manhã, meu sogro disse-me que estava sentido por ele não aparecer por aqui nem para dar um alô do portão. Então, vi que o meu sogro não discernia corretamente a gravidade da situação e o porque de meu cunhado mais jovem não aparecer, ou seja, aguardava a quarenta de 15 dias para vir aqui em segurança. Falei isso para ele e elogiei a postura e a preocupação acertada e lúcida de seu caçula. Ele entendeu, mas não sei se compreendeu; achou, suspetei pelo jeito e pelo silêncio dele, que, por certo, eu exagerava e que a coisa não era bem assim.
Meu pai, sei pela minha mãe e por ele mesmo, sai de casa para ir no banco resolver problemas "importantes" concernentes ao "dinheiro dele". Há uns dois dias, três novos casos aqui em Charqueadas foram referentes a funcionários da agência local do Banco do Brasil. Se contar o gerente, computado em outra cidade, onde reside, foram quatro. Ainda bem que o pai foi no Banrisul e na Caixa Federal. Espero que isso alerte ele do perigo de ir a bancos, numa hora dessas. Na casa ao lado, os meus sogros se arriscam como não deveriam, pois saem para pagar contas e comprar coisas que não entendo serem de extrema necessidade. Esses fatos me parecem surreais, mas as estou vendo acontecer. O meu cunhado mais velho vive batendo o pé na rua. Meu sogro foi a Porto Alegre esses dias, no aniversário de uma cunhada! Teve de ir num hospital de Porto Alegre consultar, inadiável essa, também na farmácia da prefeitura, é diabético, e para se vacinar. Não conseguiu, mas depois vieram vacinar ele e a minha sogra em casa. O sogro se cuida, caminha duas horas por dia e, pela manhã, sua glicose bate menos de 100, é um cara exemplar para a idade dele, se cuida, embora as derrapadas na rua. Meus pais também foram vacinados em casa. Rezo por todo mundo, para tudo acabar bem.
Uso a inteligência e o livre arbítrio, dados pelo sopro da vida de Deus em mim, para seguir a risca as orientações médicas e científicas nesse quadro de pandemia, visto que a ciência é luz divina aplicada via nossa inteligência, dom divino. Respeitar a ciência é seguir os conselhos de Deus. É o melhor que temos a nosso favor nesse plano físico, a ciência. Devemos seguir seus conselhos, então, oras. Isolamento social, higiene e protocolos! Todavia, as pessoas parecem com dificuldade de discernir isso e ver que a vida de antes da pandemia não existe mais, devemos constituir uma outra nornalidade cotidiana, revisando hábitos em favor da manutenção da vida, nosso bem maior. Não há volta, ou nos adaptamos ou sucumbiremos, os que são dos grupos de risco.
Mas as pessoas são assim, parecem que somente acordam e dão a devida atenção à gravidade das coisas quando a vaca já está indo pro brejo e elas estão sentadas em cima. Acho triste e surreal isso. E o grande problema é que, como as pessoas que não são dos grupos não abrem mão da antiga normalidade - e, infelizmente, fragilizando os efeitos do imprescindível isolamento social -, as que são acham que também devem continuar como antes, ignorando a realidade e os avisos da ciência, caindo num fatalismo pseudo-religioso onde "Deus é que sabe", como se Ele não tivesse nos dado a inteligência e o ivre arbítrio justamente para os usarmos ativamente em nosso aprendizado terreno. Não somos objetos passivos da vontade divina, somos instrumentos ativos de Sua Palavra, Ele age no mundo por nós, no comum e no milagroso.
O que aconteceu nesses trinta dias digno de nota, que eu já não tenha escrito nesse diário virtual?
Ah, hoje. Agora pela manhã. Pra ver como a coisa é! Meu cunhado mais velho chamou minha esposa para conversar, a fim de que ela lhe auxiliasse numa demanda particular que o deixava apreenssivo. Eu fiquei tomando café e, passado alguns minutos, fui lá ver o que era. Eles estavam à esquerda desse poste de concreto verde que vocês enxergam na foto acima. Ela do lado de cá da tela, ele do lá do de lá - onde vocês veem o portão e a cerca de madeira, é o amplo, agradável a arborificado terreno do meu sogro. Pois bem, ela não estava respeitando o distanciamento de dois metros recomendado, estava a menos de um metro dele. Óbvio que eu me preocupei, sou do grupo de risco, 52 anos a completar, diabético tipo 2. Ele gesticulava e falava excitado com ela, devido ao problema que o atormentava. Só que ele é o que anda pra baixo e pra cima, na rua, pelas proximidades. Moramos no centro. Nada contra o cara, os problemas dele e como ele acha por bem levar a vida nesse momento; tudo ok minha esposa ajudar o irmão, mas a não observância do distanciamento me incomodou. Quando ela voltou para dentro de casa, falei, cobrando. Ela respondeu que era muita pressão sobre ela, vinda de todos os lados, e se emburrou comigo.
E é mesmo. Eu, que convivo com ela, bem sei de quanta pressão recai nesse momento sobre os ombros dessa companheira maravilhosa que Deus me deu o privilégio de conquistar. Ela cometeu um erro de procedimento sanitário? Sim. Eu mesmo já cometi vários. Ninguém é culpado por isso, nem os chineses, nem o presidente, o governador, o prefeito, o meu cunhado, nem eu e nem ela. Isso é coisa desse mundo. E errar é humano, as falhas acontecerão. Eu, claro, fico mais sensível a elas por ser do grupo de risco, obviamente. Então a gente vai lidando com essas coisas da melhor maneira que a gente pode, mantendo a calma, o bom senso e o discernimento. Nos primeiros cinco dias a partir do dia 21 eu fiquei com muito medo. Não tive pavor, pânico e nem perdi o autocontrole, mas fui construindo minha coragem e o domínio de minhas faculdades emocionais e psicológicas seguindo os conselhos médicos para manter incólume a saúde mental, adotando protocolos e procedimentos pertinentes, reorganizando os hábitos cotidianos, e buscando Nele a paz e a coragem que estão em mim colocados via o sopro divino da vida. Uma coisa que eu vi a médica Jule Santos dizer num vídeo, que ter força não é o mesmo que não ter medo, ajudou-me muito. Quem tem de te dominar é a primeira, não o segundo, e isso é busca e construção racional, calcadas na ciência e na fé. Minha esposa foi fundamental nesse processo, ela é muito forte, inteligente e comprometida a cada hora do dia.
Deus. Ouço e leio as pessoas clamando proteção. Eu rezo pedindo pelas pessoas em situação econômica desfavorável em todo o mundo, que são as mais expostas a esse mal que assola o planeta. Mas o reino Dele não é o desse mundo. Jesus fala isso na Semana Santa, frente a Pilatos. Os apóstolos igualmente deram testemunho disso e o viveram na carne, também. As coisas dessa vida são as coisas desse mundo, para o nosso aprendizado. Somos, todos os seres vivos, ora predatores, ora presas. Isso é fácil de escrever? Sim, mas quando o perigo nos afronta, tememos por nossa vida. É divino esse instinto, mas não podemos perder o norte do que diz a Palavra. Não sermos fatalistas e passivos, nunca! Termos uma fé ativa e operante, orando e obrando. Orar, obrar e jejuar, foi o que intuí logo no início disso tudo, lá no começo de março, ao ler Joel, e escrevi na página da bíblia branca ao lado de minha cama. Orar - é óbvio o que é. Obrar - é realizar, no cotidiano, com disciplina e altruímo, caridosamente, aquelas pequenas coisas das quais Santa Teresinha de Lisieux nos fala em História de uma alma. Jejuar - não é o lance da mortificação do corpo via restrição de alimentos, é algo mais amplo que isso. Um pouco como São João da Cruz nos fala em Subindo o Monte Carmelo, evitando os apetites que nos afastam de Deus. Claro, não falo aqui nos termos dele, na busca da noite escura da alma, a anulação dos apetites dos sentidos, visando uma realação íntima e profunda com Deus, isso é um nível muito mais elevado; falo aqui dos vícios que nos desregram e detonam nosso corpo físico e que, na situação atual, nos tornam frágeis ante as consequências de uma possível contaminação. A questão, portanto, não é se revoltar com Deus, mas aprender e obrar, fazer a sua parte com altruísmo e observando as recomendações das várias ciências e da medicina, nesse mundo, sabendo o reino não é nele, mas Nele e Dele. São as reflexões que faço, nesse momento.
Minha esposa está fazendo um carreteiro de churrasco das sobras que propositalmente deixei ontem. Bateu na porta e me chamou nesse exato momento. Vamos lá. A vida segue e, "enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo" - João. Depois do almoço, vou voltar aqui para minha amada biblioteca, continuar a arrumação de meus livros ao som da Rádio Continental (vou procurar também a Rádio da Universidade - UFRGS) e depois sentar na rua, em frente da casa, olhando esse belo dia, acompanhado dos cães e das gatas.
Fiquem todos em casa, fiquem todos com Deus.