Quinta-feira, 21 de abril de 2016
O governo Dilma acabou! Diretas, já!, diz Amorim
Por César Fraga
Em entrevista concedida ao Extra Classe em Porto Alegre, no dia 20 de abril, no trajeto entre o Aeroporto Salgado Filho e o Hotel Embaixador, antes do painel Mídia e o Estado Democrático de Direito, o jornalista Paulo Henrique Amorim, adiantou pontos do que seria sua fala e fez uma análise da participação da Rede Globo e do ‘Quarto Poder’, que exerce no país o que ele chama de “atalho constitucional” para legitimar o golpe que está em curso para destituir a presidente Dilma Rousseff. Segundo ele, a falta da democratização da mídia nacional e de uma regulamentação que impeça o monopólio estão no centro da crise, porque os governos petistas não fizeram o que Brizola teria feito. Amorim também afirma que o senador Roberto Requião está propondo as “Diretas Já” porque nem o PT, nem o PCdoB podem fazê-lo agora; e que a prerrogativa de convocar novas eleições é da presidente, pois não haveria mais esperança de salvar o governo nem no Senado, nem no Supremo Tribunal Federal (STF). Isso tiraria Temer da jogada, mas só funcionaria com o povo nas ruas e por pressão popular “para que haja mudança em todos os níveis”. Segundo ele, estragaria o golpe da Globo que quer Temer, para ter ao seu dispor mais uma vez o Ministério das Comunicações, o BNDES e o dinheiro da Caixa; pois com eleições diretas entraria uma variável nova e imprevisível no jogo político, o eleitor.
Extra Classe – Do ponto de vista de que a Globo é o maestro do golpe, os governos do PT vacilaram no que se refere a regulamentação da mídia?
Paulo Henrique Amorim – A Globo deu lógica e organizou o golpe. Eu digo isso da seguinte maneira: não houve uma articulação diuturna prévia, de estado maior, entre os diversos autores do golpe. Os autores do golpe foram como se sabe, a Procuradoria Geral da República, a Polícia Federal sem chefe, o Sérgio Moro, o PMDB. Mas eles não se reuniam todas as noites numa catacumba, na presença de Deus e da madre superiora para estudar os passos e uma estratégia ou um plano de estado maior. Não! Cada um agia por sua própria lógica e todas as noites a Globo dava ordem e sentido a isso.
EC – E isso começa a ser operado em 2013 com as passeatas de junho?
Amorim – Isso já começou no momento em Lula foi eleito e se exacerbou com o mensalão do PT. Também com as passeatas de 2013. A Globo convocava e orientava as passeatas. A Globonews dizia: “não é por aí”. Houve um momento histórico em que âncora da Globonews disse “Não, não, não, ponte Rio-Niterói é pra a direita! Pra esquerda é o Maracanã!”. A Globonews organizou a passeata para engarrafar a ponte, mas isso não aconteceu. Enfim, o fato é que o PT não fez o que o Brizola faria: regulamentar a mídia. Brizola dizia que a primeira coisa que ele faria na manhã do primeiro dia de governo quando sentasse naquela cadeira seria questionar esse monopólio. Mas a primeira coisa que o Lula fez quando venceu em 2002 foi sentar na cadeira do Jornal Nacional. A primeira coisa que Dilma fez quando foi eleita foi sentar na cadeira da Ana Maria Braga para fazer uma omelete que não deu certo. Então o PT está pagando o que fez. A Globo não deu o golpe sozinha. Foram vários autores.
EC – E ainda corre o risco de a Ana Amélia Lemos assumir como relatora do impeachment no Senado.
Amorim – No Senado? Acabou. A Dilma não ganha no Senado e não ganha do Supremo. Acabou o Governo Dilma! O negócio agora é lutar pela proposta do Requião e também da Marina Silva. Vamos para as urnas.
EC – E a proposta de parlamentarismo parida dentro do PMDB?
Amorim – Pera aí! Parlamentarismo com esse Congresso? O povo brasileiro viu o parlamento funcionar. Mesmo aqueles que são a favor do golpe ficaram envergonhados com aqueles golpistas que votavam em nome de deus.
EC – Qual seria a proposta do Requião?
Amorim – Diretas já com recall.
EC – E isso é possível juridicamente?
Amorim – Claro que é. A Dilma tem todo o direito como presidente da República de enviar uma proposta de emenda constitucional, dizendo “vou embora e convoco eleições”. Pronto. Aí o Congresso vota e o Supremo sanciona e acabou. E vamos para a rua. Tem que botar o povo na rua para pedir eleições. Indagar o povo: vocês querem que o Temer e o Cunha governem? Porque quem manda no Temer é o Cunha. Ah, mas tem um grupo que diz assim: temos de deixar o Temer ir até o fim para ele se arrebentar e a gente ganhar em 2018. Mas isso é adotar a estratégia do quanto pior, melhor. Quem vai se ferrar vai ser o povo. Nós vamos estar nas nossas confortáveis residências de classe média e nos finais de semana torcendo pelo Inter e pelo Grêmio. Mas o povo é quem se ferra. Então eu não quero o quanto pior, melhor. Eu quero o quanto melhor, melhor. Então vamos devolver a decisão ao povo. Eles deram o golpe, fizeram um atalho na Constituição, tirando a presidenta da República sem crime de responsabilidade, então, vamos fazer outro atalho constitucional e vamos para as urnas. Vamos extrair a legitimidade das urnas.
EC – E o Bolsonaro?
Amorim – Vamos com calma. O Bolsonaro não engana ninguém. Ele é isso que ele é. Agora, não foi o Bolsonaro quem anistiou o Ustra, quem anistiou o Ustra foi o Supremo Tribunal Federal da República Federativa do Brasil. E muitos dos ministros que anistiaram o Ustra estão lá sentados até hoje. Purgo isso. Eu digo isso, porque a Dilma se iludiu com a chamada democracia brasileira. Um país que tem a Globo como a Globo é não é uma democracia. E aí, ela resolveu ser republicana nessa democracia. E nem os americanos são republicanos na democracia deles. Você vai ver quem o Trump vai nomear para presidir o Supremo deles. Vai nomear Gengis Khan, porque lá eles não brincam com o Supremo. Não tem nada de republicanismo no Supremo americano. Não tem! Presidente democrata nomeia ministro democrata. Presidente republicano nomeia ministro republicano. E é assim que funciona. Aqui não. O PT diz “vamos escolher os melhores nomes”. Se ferrou! Penduraram o Zé Dirceu no poste do domínio do fato e ninguém fez nada.
EC – E a ida do Aloysio Nunes em Washington?
Amorim – Bom, mas esse é ridículo. É um coitadinho, falou com as pessoas erradas. O Thomas Shannon vai ser vice-ministro de assuntos para a América Latina até a próxima eleição. E se o Trump ganhar? Shannon vai ser apenas um professor universitário. Até acredito e dou de boa-fé, que ele marcou essa reunião antes da decisão na Câmara e foi apanhado no contrapé. Mas o que que ele foi pedir? Foi pedir a benção para o golpe, assim como os golpistas de 1964 tiveram a benção dos EUA. Mas só que agora é um pouquinho diferente. Não dá para os americanos mandarem para cá a quarta frota.
EC – Ninguém quer arriscar dinheiro, né?
Amorim – Não! Espera aí, vão botar dinheiro no Temer? Você conhece algum empresário, como o Gerdau, que vá dobrar o ativo fixo dele com o Temer na presidência da República? Você acha que a Microsoft vai dobrar os investimentos dela no Brasil, ou a Apple, com o Temer na presidência? Que regras são essas? Que estabilidade? E se o Cunha resolver tomar uma grana da Microsoft? Como é que faz? Outra coisa, o Putin já disse para os americanos não meterem o bedelho aqui. Se o Aloysio Nunes entendesse de política internacional ele veria o que aconteceu na Síria. O Brasil está um pouquinho mais longe da Síria, mas o Putin disse para o Obama, “não mete teu nariz aqui”. E o Obama não meteu. Hoje o buraco é um pouco mais embaixo. Os EUA não têm mais a supremacia que tinham em 1964. Então, vamos esperar.
EC – Esse Congresso aceitaria eleições “Diretas, já”?
Amorim – Mas aí entra o povo nas ruas. Vamos sair das reuniões dos sindicatos e ir para a rua. Porque dessa vez teve povo na rua e teve povo na rua independente do PT. Quem foi pra rua não foi o PT, não. Quem foi pra rua foi o povo brasileiro. E eu pergunto: o povo brasileiro hoje aceitaria ser governado pelo Cunha? Quem disse que o Cunha vai ser cassado? Quem disse que o Supremo vai cassar o Cunha? Quem disse que o TSE vai condenar o Temer pelas contas da chapa Dilma/Temer? O Gilmar Mendes já disse que não vai. Agora que o Temer vai assumir o caso é diferente, disse ele. E o povo brasileiro vai aguentar isso? Não vai!
Trecho final do painel Mídia e Estado Democrático de Direito, no dia 20 de abril, em que Paulo Henrique Amorim narra o capítulo final de seu livro, em que trata do episódio de manipulação da informação que foi determinante para levar as eleições presidenciais de 2002 para o segundo turno. O painel ocorreu no Hotel Embaixador, em Porto Alegre.