"Pedimos espírito de penitência, e não a abstinência de carne"
Entrevista: dom Dadeus Grings, arcebispo metropolitano de Porto Alegre
No ano passado, o arcebispo de Porto Alegre, dom Dadeus Grings, surpreendeu católicos desavisados ao sustentar que comer carne vermelha na Sexta-Feira Santa não é nenhum pecado. Nesta entrevista, o religioso reafirma o inexistência da proibição e diz que, em razão das transformações por que o mundo passou, outras formas de penitência se tornaram mais apropriadas.
Zero Hora - A carne vermelha está liberada na Sexta-Feira Santa?
Dom Dadeus Grings - A Sexta-Feira é um dia de penitência. Antigamente a Igreja determinava fazer jejum, comer pouco, abster-se de carne vermelha. Eram determinações bem rigorosas, que mudaram. Hoje em dia, a gente prefere sugerir penitências como a abstinência de carro, de celular, de cigarro ou de álcool. Cada um deve escolher uma penitência que valorize o espiritual em detrimento do material. O que se quer é esse espírito de penitência, e não a abstinência de carne.
ZH - O católico estava desvirtuando o espírito de penitência, ao deixar de comer carne vermelha e se banqueteando com frutos do mar?
Dom Dadeus - O peixe sempre foi uma coisa livre, mas acabou virando hábito fazer um banquete de peixe, que era exatamente o contrário do que se queria, uma coisa mais sóbria. O sentido se perdeu. Essa foi uma das razões de sugerirmos outros tipos de penitência. O mundo e os costumes mudaram. Antigamente, comer e beber estavam entre as maiores satisfações, então se fazia abstinência nessa área. Agora há outras diversões, e é nelas que deve estar a penitência.
ZH - Como o fiel deve escolher qual penitência fazer?
Dom Dadeus - Ele tem que examinar em sua vida uma coisa para a qual dá valor e renunciar a ela, como sinal de valorização espiritual. A Sexta-Feira Santa é o dia da morte de Cristo. A idéia é de que abramos mão de algo importante para nós.
ZH - O senhor vai comer carne vermelha?
Dom Dadeus - Não. Eu observo a tradição de não comer carne. Mas se tivesse que comer, não teria problema.
Fonte: Jornal Zero Hora - 2005