João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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Meu Diário
08/10/2009 12h51
Ari Barbeiro
Se foi, no último domingo, um grande personagem daqui de Charqueadas, o seu Ari Barbeiro. Eu cortava cabelo com ele há oito anos. Meu sogro, de 65 anos, cortava desde os 15. Meu cunhado mais novo, de 21, só cortava cabelo com ele. Todos nós gremistas, entregando as melenas a habilidade de um colorado dos quatro costados, mas muito boa gente. Eu ia fazer uma matéria com ele para um jornal daqui, pois ele acompanhou toda a evolução do centro da cidade de sua barbearia. Ao saber que ele estava doente, não tive a coragem de fazer a matéria. Devia ter feito antes, logo quando tive a idéia. A gente deve, realmente, aproveitar os momentos. Que Deus o tenha.

Abaixo, deixo um texto do Pedro Rocha, de 21 anos, sobre o seu Ary Barbeiro:

AO AMIGO RARO INCONDICIONAL
Um guri relutante em uma cadeira chora, grita, se descabela em um descontrole enlouquecedor. O que poderia acontecer de tão terrível para que esta criança se mantivesse nesse estado de agonia? Não era uma cadeira elétrica. Nem tão pouco existia um torturador à sua frente.. O garoto de cabelos cacheados estava em uma cadeira de barbeiro, sua mãe o havia levado para tosar os ‘cachinhos’.
Mas não seria naquela hora que ele teria suas melenas aparadas. A certa altura da tarde, depois de tentativas frustradas, o pai do moleque vem buscá-los, irritados os dois, ou melhor, os três. O piá porque não entendia o que acontecia, a mãe porque não conseguiu cortar o cabelo do guri e o pai pai porque o pirralho não parava de chorar.
Chegando em casa o pai tem uma idéia. Ele resolveu tomar o problema para si. Tomaria as rédeas da situação e levaria seu filho para cortar o cabelo com o seu barbeiro. O barbeiro com o qual ele cortava o cabelo desde jovem, afinal ele fora um dos seus primeiros clientes do jovem aprendiz de barbeiro que chegava na cidade. E além desta relação de freguês e barbeiro havia uma relação de amizade criada e cultivada durante o passar dos anos.
Foi assim: o pai explicou pro guri que agora ele não podia se comportar mal porque ele iria no barbeiro com o pai. O garoto tinha curiosidade pra saber como era o senhor que ele conheceria “amanhã”. O pai dizia em tom de brincadeira que ele era cabeludo, mas careca; alto, mas baixo. E o menino ficou com aquela curiosidade na cabeça a noite toda.
De manhã, foram os dois de bicicleta cortar o cabelo. Desta vez sem choro, sem ranso, existia apenas curiosidade. Chegando lá, encontraram um senhor de altura mediana, um pouco acima do peso, meio calvo, pois possuia um pouco de cabelo grisalho para branco. Sorrindo um sorriso simpático (isso era sua marca) faz brincadeiras com o pai perguntando se aquele pimpolho era a rapinha do tacho.
Enquanto o pai corta o cabelo, o jovem olha em volta outros senhores conversando esperando as suas respectivas vezes. Eles conversam sobre política, futebol, tv e outras coisas que homens conversam. O pai já estava com o cabelo cortado, era a vez do guri, agora sem medo, receio ou qualquer tipo de angústia. Ele era só confiança e coragem, já se sentia um homenzinho. Uns dez minutos de tesouradas depois e pronto, o crime estava feito. Sem dor, sem choro e os caracóis estavam cortados. Depois desta foram muitas outras vezes.
Outra vez foi a mãe quem o levou, mas ela cometeu um erro fatal. Contou em pleno salão que uma vizinha queria um cachinho do cabelo do jovem rapaz. O guri ficou numa tromba, mas o barbeiro, que era seu amigo, entrou em sua defesa “homem não dá cachinho do cabelo, isso é coisa de menina” – isso falado leve mas com tom de seriedadeconfortou o menino que tinha ficado brabo com a mãe falando esse tipo de coisa na frente de tanta gente.
O tempo foi passando, o guri ficando maior, mas sempre cortando o cabelo com o mesmo barbeiro evitando, claro, de ir em semana que seu time, o Grêmio, perdesse para o eterno rival, time pelo qual o seu amigo que cortava cabelo era apaixonado. O rapaz nunca ouviu nada de desrespeitoso, nem qualquer tipo de brincadeira forte, mas sempre uma piadinha leve que tinha sabor adstringente na língua e quando estava descendo pela garganta dava uma entaladinha, e já vinha a vontade de rir no melhor espírito esportivo. Mas caso o Colorado perdesse, sempre tinha um troquinho, de leve também.
O rapaz foi crescendo e teve uma época que resolveu ficar cabeludo e foram uns dois anos e meio sem cortar o cabelo, mas mesmo assim, nesse intervalo de tempo, ia com o pai pra dar uma conversada e rever o amigo.
Quando ele se sentava na cadeira, ele olhava pro espelho e via também refletida sua imagem de costas em outro espelho; à direita, um retrato do proprietário feito uma caricatura e à sua esquerda, um quadro que tinha dizeres em homenagem ao barbeiro. O título tinha os dizeres de acordo com as iniciais do homem : “Amigo Raro Incondicional”.
Hoje foi um dia muito difícil para o jovem. Ele, ainda deitado, recebeu a notícia que os anjos haviam levado seu amigo. Ele hoje se sente triste por ter tido a oportunidade e nunca ter dito o tamanho da consideração, do carinho e da amizade que ele possuía por este Amigo Raro Incondicional.
No quadro poderia estar também Amigo Raro Inesquecível . O rapaz não foi amigo de infância do seu amigo, mas ele foi um dos grandes amigos da infância do rapaz. Foi, com certeza, o primeiro amigo que ele perdeu.
Hoje ele está cabeludo de novo e não sabe por quanto tempo ele vai ficar assim, nem onde ele vai cortar, ele só tem certeza que nunca mais será igual. Fica a saudade e a esperança de se encontrarem de novo em um lugar melhor.


Pro meu amigo Ari Àvila


06/10/2009

Publicado por João Adolfo Guerreiro
em 08/10/2009 às 12h51