João Adolfo Guerreiro
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Maria Rita, a primeira pessoa nascida no Brasil a ser canonizada

Impossível não ser mais um a também escrever algo sobre isso, face a importância histórica desse fato. O Brasil é o pais com maior contingente católico do mundo em números absolutos, com 127 milhões de fiéis, ou seja, 65% da população brasileira, conforme o Censo de 2010. Isso representa quase 12% do total católicos, que são cerca de 1,3 bilhão - 18% dos habitantes do planeta. Em números proporcionais, o Brasil fica em 31° (1). Mesmo assim, somente agora, em 13 de outubro de 2019, 519 anos após o seu "descobrimento", passa a ter uma santa 100% nacional: a baiana baixinha (1,48m) com o comprido nome de batismo Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes, nascida em Salvador em 26 de maio de 1914, mesma cidade onde faleceu, em 13 de março de 1992.

Já aos 13 anos queria ser freira, indo bater na porta do Convento de Santa Clara do Desterro (2), famoso por ser onde viveu a Madre Victoria da Consagração (3). Entretanto, só conseguiu isso aos 19 anos, ao entrar para a Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, em Sergipe, onde se tornou a Irmã Dulce, adotando o nome de sua precocemente falecida mãe.

Transferida para Salvador, começou um forte trabalho voltado para os menos favorecidos, isto é, os operários e os miseráveis. Num período pré Sistema Único de Saúde, criou o Hospital Santo Antônio (1983), que atendia a todos gratuitamente, hoje vinculado ao SUS. O hospital teve sua gênese em 1949, num galinheiro pertencente ao Convento Santo Antônio utilizado pela religiosa a fim de acomodar os doentes miseráveis soteropolitanos, alimentando-os e tratando-os, e que depois se tornou o Albergue Santo Antônio (1960).

A Obras Sociais Irmã Dulce, criada em 1959, como associação, depois tornada fundação, constitui-se hoje de 17 núcleos de atendimento aos pobres e necessitados. Tudo isso levantado em cima do nome de Irmã Dulce por ela mesma, que sempre esteve a frente das solicitações de doações à população, políticos e empresários. Diferentemente de outras religiosas benfeitoras, Irmã Dulce era diretamente envolvida na coordenação do sustento financeiro das suas obras, ou seja, era o seu nome e o seu CPF que estavam juridicamente comprometidos em toda a assitência social que fazia, o que lhe atribuía uma frente de responsabilidades e compromissos de grande monta.

Esse é um pequeno resumo de sua obra baseada na fé e no amor a Deus e ao próximo. Se formos conhecer como tudo ocorreu em pormenores, lendo, por exemplo, Santa Dulce dos Pobres: o Anjo Bom do Brasil, de Gaetano Passareli (Paulinas, 4ª ed, 2019, 232 pag), ficaremos impressionados com a força e a dedicação dessa pequena baiana chamada Maria Rita. Não por acaso já era, em vida, tratada como santa pelo povo, o que só aumentou após sua morte, virando culto. O Vaticano, alíás, não a tornou santa, apenas reconheceu sua santidade.

Foi com esse espírito que acordei no domingo, às cinco da matina, para assitir a sua canonização pelo papa Francisco, como Santa Dulce dos Pobres. Um momento ímpar para o Brasil, um fato histórico. Foi o terceiro processo de canonização mais rápido da história recente da Igreja Católica, 27 anos após sua morte, atrás de Madre Teresa de Calcutá (19 anos) e João Paulo II (nove anos), duas personalidades que Dulce conheceu em vida (inclusive foi o então papa João Paulo quem lhe deu a extrema unção). Dentre as cinco pessoas reconhecidas santas na mesma ocasião, era a única nascida no século XX.

Por outro lado, vejamos detalhes bem terrenos deste acontecimento. Um economista já disse que não existe almoço de graça, e o mesmo se aplica às canonizações. O processo de Irmã Dulce, segundo o banqueiro Ângelo Calmon de Sá disse à edição 2656 da revista Veja (16.10.2019), deve ter "custado 1 milhão de reais entre 1999 e dezembro de 2010", quando Bento XVI a beatificou, recursos provenientes de doações. Segundo a revista, conforme livro de 2015 do jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, "um único processo de santificação poderia custar 750 mil euros, para análise de postulados, pagamento de traduções, contratação de médicos" para atestar a incapacidade da medicina em explicar cientificamente os milagres nececessários para a beatificação e canonização.

Mas isso não é de causar surpresa, pois, como mesmo Maria Rita sempre soube ao conduzir sua obra social, igualmente não existe caridade de graça. A não ser a oriunda do trabalho de pessoas como ela, que entregaram sua vida a Deus e aos semelhantes por amor, sem receber nada, abrindo mão de tudo, sacrificando tudo, coisa que está cada vez mais difícil, como ela mesmo reconhecera numa carta de 1985: "Irmã Querubina me falou sobre a dificuldade de encontrar irmãs para nossos colégios e hospitais, pois as jovens de hoje querem viver apenas em fraternidade" (Passareli, 2019, p 209).

Finalizando, é de arrepiar os pelos do braço pensar no exemplo, na vida e na obra de uma pessoa dessas. Maria Rita, Santa Dulce dos Pobres. Amém.



(1) - Abaixo de Vaticano (100%), Timor Leste (98%), Malta (96%), Polônia (92%), San Martino (90%), Paraguay (89%), Andorra (88%), Bolívia (87%), Croácia (86%), México (85%), Guadalupe (85%), Martinica (84%), Colômbia (82%), Mônaco (82%), Itália (81%), Portugal (81%), Filipinas (81%), Giné Equatorial (80%), Aruba (80%), Venezuela (78%), Irlanda (78%), Liechtenstein (78%), Lituânia (77%), Cabo Verde (77%), Seicheles (76%), Espanha (75%), Guam (75%), Curaçao (73%), República Dominicana (67%) e Luxemburgo (66%).
(2) - Primeiro convento feminino do Brasil, criado em 1677 na cidade de Salvador.
(3) - Nascida em 6 de março de 1661 e falecida em 19 de julho de 1715 em Salvador, Bahia. Caridosa, obteve fama de santidade por seu auxílio aos pobres e faculdades místicas. Foi biografada em 1720 pelo Arcebispo de São Salvador da Bahia, Sebastião de Monteiro da Vide, português que pretendeu torná-la a primeira santa brasileira, mas morreu logo após dar início ao processo de beatificação (reaberto esse ano). 


 
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 15/10/2019
Alterado em 13/08/2020
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