João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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Textos
O gato cegueta da minha vizinha

Ao lado da minha casa tem um enorme terreno vazio. O casal que cuida o terreno reside numa casa de madeira bem ao fundo deste. Eles criam cavalo, plantam ali; e possuem um gato cegueta. Percebi o bichano umas semanas atrás, pois ele estava sempre miando ao lado da minha casa, cuja janela da copa fica rente ao terreno, limitada por uma cerca de tela.

Abri os vidros e lá estava ele. Achei-o bonito. Chamei sua atenção e ele virou a cabeça para o meu lado. Começamos a conversar, eu falando e ele miando. Mansinho. Reparei, entretanto, que eu me mexia e seu olhar, o que seria o comum para um gato, não me acompanhava. Coloquei a mão para fora da janela, abanei para um lado e para outro, e nada. Será cego esse gato? Peguei um sachê de carne, abri, e joguei para ele. Assustou-se e saiu correndo.

Nisso a senhora do terreno apareceu chamando por ele (esqueci do nome), que atendeu a dona e foi miando alto em sua direção. - Ele é cego? - perguntei. - Não, ele é albino, enxerga pouco - respondeu. Não sei nada de gatos albinos, mas creio que eles seriam totalmente brancos, o que não era o caso daquele, que era de um tom pêssego claro com marcas mistas de pelagem brasina na cauda, no rosto e nas patas. Só os olhos eram diferentes, de um tom verde muito aguado, quase cinza, e nitidamente vesgo. Mas, se ela disse que é, então que o seja.

Mas o que me fez simpatizar com o gato é justamente essa pelagem dele. Tem uma gata brasina chamada Salsa que mora na casa da minha sogra, aos fundos da minha, e que teve uma ninhada, sendo que duas gatinhas nasceram exatamente com a mesma pelagem, só que com olhos bem azuis. Sei que o gato dos vizinhos não é o pai por que um outro gato, por aquela época, aparecia ali pela minha sogra e, como era exatamente como as gatinhas, era por certo o pai delas. E este não apareceu mais por ali, como é a sina dos gatos machos da minha rua. Como há muito movimento de carros por aqui, eles geralmente morrem atropelados ainda relativamente jovens. É, as condições sociais influem não só na expectativa de vida dos humanos, mas na dos bichos também. Cachorro, como não pula muro ou cerca, vive mais, já gatos machos...

Eu tenho três gatas, castradas, que essas, como não saem para a rua, escapam da sanha dos automóveis. Voltemos ao gato da vizinha: cheguei a conclusão que ele é igualmente filho do outro gato, irmão por parte de pai das gatinhas. Uma delas eu dei para a minha filha, que a batizou de Frutti. A que ficou comigo, a Felícia (foto), achei morta, ela nem havia completado um ano ainda. Partiu meu coração, foi a gata mais linda que já tive, e era tri agarrada comigo. Serelepe, elétrica. O gato cegueta é lento, calmo, manso. E, por essa parecença com a Felícia, interessei-me por ele.

Vem filar a ração das minhas gatas na área de serviço da casa. Ele pula a grade vindo pelo muro, geralmente na madruga ou pela manhã. Fico cuidando pela janela basculante. Como não é agressivo com elas, permito. Não é cego, mas enxerga muito pouco. Sussuro algo e ele levanta a cabeça, olha pra basculante fixamente, mas não me vê. Minhas gatas enxergam-me perfeitamente, acompanham-me com os olhos, mas ele, não. Como permaneço em silêncio, volta a comer, enquanto observo-o. Realmente, sua pelagem é exatamente como a da Frutti e da Felícia, só que seu tamanho é bem maior. A Felícia era pequena, a Frutti de tamanho médio. Ele é grande, do tamanho do possível pai, sem os seus olhos azuis que as irmãs herdaram. Seu estrabismo é bem acentuado. E é mijão! Eu andava sentido novamente cheiro de urina felina na área, mas desconfiava que não poderia ser regrassão de minhas adoráveis bichanas. Vi o cegueta urinar na graneleira de ração e, suprema heresia, nas garafas vazias de cerveja Maestro 10 que guardo. Canalha, deve ser um colorado rancoroso!

Quando abro a porta que dá para a área de serviço, aí ele me vê claramente e foge. De início, saía correndo pela grade, pulava o muro e sumia. De uns dias para cá, como eu nunca faço movimentos bruscos, ele sai, mas fica sentado no muro, olhando-me. Pego a ração, acoco-me e sirvo as gatas. Sei que acocar-se dá aos bichos um sinal de que tu não pretendes atacá-los. Estou dando confiança para ele, visando acostumá-lo comigo. Volto para dentro e vou para a janela, para ver. Ele fica sobre o muro, as gatas param de comer, ele vem e rapa as sobras. Saciado, vaza.

Já acostumei outros gatos antes, possuo experiência, sou um encantador de gatos. Vamos ver quanto tempo levo para fazer o mesmo com o gato cegueta da vizinha. O fato é que, nesse Brasil atual, de tantas rusgas políticas e mentiras e ódios vituperados pelas redes sociais, a gente ainda pode se dar ao prazer de interagir com um gato cegueta que aparece na nossa vida. A propósito, recordo de ouvir o apóstolo Pedro, num filme, falar para um homem: "Ninguém é escravo dentro de sua própria casa". Amém.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 13/09/2019
Alterado em 13/09/2019
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