João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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Textos
Peixes de chocolate penitentes

Quando criança, eu achava que comer carne na Sexta-feira Santa era pecado. Era o que me diziam e eu acreditava. Achava que Deus me castigaria, enviando um anjo vingador para me mandar para o fogo do inferno caso eu pecasse. Eu temia a Deus.

Temia meu pai também. Ele era enorme, personificava a ira de Deus aos meus olhos. Temia Deus, temia meu pai. Temia. Temor. E o amor? “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento” (Mt 22:37-38).

Na Páscoa, era o tempo do coelhinho e dos ovos de chocolate. Uau syl! Coisa boa! “Coelhinho da Páscoa, que trazes pra mim? Um ovo, dois ovos, três ovos assim!” E também dos filmes de Jesus morrendo na cruz. Porque mataram ele? Ele não era o filho de Deus? Malditos romanos e fariseus! Nunca entendi bem o lance do coelhinho nessa história, tampouco o fato de ele colocar ovos, que nem galinha, ainda por cima de chocolate. Todavia, essa era a parte que eu achava legal da Páscoa.

Anos depois, vim a entender que comer carne não era pecado, mas fazer tal abstinência era uma forma de penitência, lembrando que Jesus morreu para nos salvar. E descobri também que Deus não tinha nada a ver com isso, pois era uma indicação da Igreja aos fiéis por meio do Código de Direito Canônico (no Velho Testamento, no Êxodo, Deus havia prescrito a Moisés uns rituais para o povo observar, pela saída do Egito). Por essa altura de minha vida eu não temia mais Deus e meu pai. Agora respeitava-os  e admirava-os, era agradecido a ambos. E amava, como ensinou Jesus: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22:39).

E, nesse mesmo período, passei a perceber que as pessoas faziam um banquete de peixe na Sexta-Feira Santa. Abstinham-se de carne vermelha, mas... Que baita penitência! Li Dom Dadeus Grings numa entrevista explicar justamente isso: a abstinência de carne havia perdido o sentido penitente. Carne já não era um luxo, as pessoas deveriam abrir mão de outros luxos nesse dia para recuperar o sentido da coisa.

Bom, por essa época já sabia que o coelho e os chocolates não tinham nada a ver com a Páscoa, nem com a cristã e tampouco com a judaica, onde se sacrificava um cordeiro. Aliás, Jesus era “o Cordeiro de Deus” que iria livrar o mundo dos seus pecados, em sacrifício. E hoje, particularmente, entendo que nem fazer penitência tem mais sentido. Não ser egoísta e ser caridoso é o que faz sentido, na minha opinião. “Amar o próximo”, que é tudo o que uma boa parte de nós não faz.

Somos egoístas. Não damos a Deus o que é de Deus e nem a César o que é de César. Ignoramos o outro e destruímos o meio ambiente. Nos empanturramos de peixe na Sexta-feira Santa e nos entupimos de chocolate no Domingo de Páscoa, glutões cultivando colesterol e diabetes. E muitos enchem a cara e arrotam impropérios e injúrias contra o próximo. Aliás, vivemos a “cultura do ódio”, o que parece ser nosso passatempo predileto. Somos peixes de chocolate penitentes, e isso representa bem a falta de sentido que grassa, assim como coelhos e ovos de chocolate que custam muitas moedas com a imagem e inscrição de César. Somos a figueira estéril que vai secar? Somos os vendilhões? Somos os romanos e os fariseus?

Estou pensando nessas coisas por esses dias. Não que eu queira dar lição de moral para alguém. Deus me livre! Não sou exemplo para ninguém. Só quero compartilhar essas reflexões com vocês. Uma feliz Semana Santa para todos, com Deus no coração, refletindo sobre o exemplo e a palavra de Jesus.


Texto publicado nas seção de Opinião do jornal Portal de Notícias, versões impressa e online:http://www.portaldenoticias.com.br/noticia.php?id=5065&tipo=C&editoria=15&include=NOTICIAS
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 23/03/2016
Alterado em 24/03/2016
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